Esforço Grande, Igual Ao Pensamento;
Esforço grande, igual ao pensamento;
pensamentos em obras divulgados,
e não em peito timido encerrados
e desfeitos despois em chuva e vento;animo da cobiça baixa isento,
dino por isso só de altos estados,
fero açoute dos nunca bem domados
povos do Malabar sanguinolento;gentileza de membros corporais,
ornados de pudica continência,
obra por certo rara de natura:estas virtudes e outras muitas mais,
dinas todas da homérica eloquência,
jazem debaixo desta sepultura
Sonetos sobre Bem de Luís de Camões
60 resultadosFoi Já Num Tempo Doce Cousa Amar
Foi já num tempo doce cousa amar,
enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.Ó vão, caduco e débil esperar!
Como se desengana üa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crê que há de durar!Quem já se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razão tem de viver bem magoado.Porém quem tem o mundo exprimentado,
não o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranhará o costumado.
Tomou-me Vossa Vista Soberana
Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais à mão,
Por mostrar a quem busca defensão
Contra esses belos olhos, que se engana.Por ficar da vitória mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vão,
Que contra o Céu não vale defensa humana.Contudo, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitória,
Ser-vos ela bem pouco está entendido.Pois, inda que eu me achasse apercebido,
Não levais de vencer-me grande glória,
Eu a levo maior de ser vencido.
Amor Fero e Cruel, Fortuna Escura
Grão tempo há já que soube da Ventura
A vida que me tinha destinada,
Que a longa experiência da passada
Me dava claro indício da futura.Amor fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa força exprimentada;
Assolai, destruí, não fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.Soube Amor da Ventura que a não tinha,
E por que mais sentisse a falta dela,
De imagens impossíveis me mantinha.Mas vós, Senhora, pois que minha estrela
Não foi melhor, vivei nesta alma minha,
Que não tem a Fortuna poder nela.
Quem Vos Levou De Mim, Saudoso Estado
Quem vos levou de mim, saudoso estado,
que tanta sem-razão comigo usastes?
Quem foi, por quem tão presto me negastes,
esquecido de todo o bem passado?Trocastes-me um descanso em um cuidado
tão duro, tão cruel, qual m’ordenastes;
a fé, que tínheis dado, me negastes,
quando mais nela estava confiado.Vivia sem receio deste mal;
Fortuna, que tem tudo a sua mercê,
amor com desamor me revolveu.Bem sei que neste caso nada val,
que quem naceu chorando, justo é
que pague com chorar o que perdeu.
Lembranças Saudosas
Lembranças saudosas, se cuidais
De me acabar a vida neste estado,
Não vivo com meu mal tão enganado,
Que não espere dele muito mais.De longo tempo já me costumais
A viver de algum bem desesperado:
Já tenho co’a Fortuna concertado
De sofrer os tormentos que me dais.Atada ao remo tenho a paciência
Para quantos desgostos der a vida;
Cuide quanto quiser o pensamento.Que pois não posso ter mais resistência
Para tão dura queda, de subida,
Aparar-lhe-ei debaixo o sofrimento.
Quando não te Vejo Perco o Siso
Formosura do Céu a nós descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;Qual língua pode haver tão atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti há se vê perdida?Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraíso,
Logo o engenho me falta, o espírito míngua.Mas o que mais me impede inda louvar-te,
É que quando te vejo perco a língua,
E quando não te vejo perco o siso.
Doce Sonho, Suave E Soberano
Doce sonho, suave e soberano,
se por mais longo tempo me durara!
Ah! quem de sonho tal nunca acordara,
pois havia de ver tal desengano!Ah! deleitoso bem! ah! doce engano!
Se por mais largo espaço me enganara!
Se então a vida mísera acabara,
de alegria e prazer morrera ufano.Ditoso, não estando em mim, pois tive,
dormindo, o que acordado ter quisera.
Olhai com que me paga meu destino!Enfim, fora de mim, ditoso estive.
Em mentiras ter dita razão era,
pois sempre nas verdades fui mofino.
Quando A Suprema Dor Muito Me Aperta
Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconserta.Assi, de erro tão grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
que mostra ser engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.Porque essa própria imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.
Lembranças, que lembrais meu bem passado
Lembranças, que lembrais meu bem passado,
Pera que sinta mais o mal presente,
Deixai-me, se quereis, viver contente,
Não me deixeis morrer em tal estado.Mas se também de tudo está ordenado
Viver, como se vê, tão descontente,
Venha, se vier, o bem por acidente,
E dê a morte fim a meu cuidado.Que muito melhor é perder a vida,
Perdendo-se as lembranças da memória,
Pois fazem tanto dano ao pensamento.Assim que nada perde quem perdida
A esperança traz de sua glória,
Se esta vida há-de ser sempre em tormento.
Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?
Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lágrimas vertidas,
Tantos suspiros vãos vãmente dados,Como não sois vós já desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?Se não tivéreis já longa exp’riência
Das sem-razões de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vós a resistência.Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo não curou, nem larga ausência,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?
Qualquer outro Bem Julgo por Vento
Quando da bela vista e doce riso
Tomando estão meus olhos mantimento,
Tão elevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o Paraíso.Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento:
Assim que em termo tal, segundo sento,
Pouco vem a fazer quem perde o siso.Em louvar-vos, Senhora, não me fundo;
Porque quem vossas graças claro sente,
Sentirá que não pode conhecê-las.Pois de tanta estranheza sois ao mundo,
Que não é de estranhar, dama excelente,
Que quem vos fez, fizesse céu e estrelas.
Este Amor Que Vos Tenho, Limpo E Puro
Este amor que vos tenho, limpo e puro,
de pensamento vil nunca tocado,
em minha tenra idade começado,
tê-lo dentro nesta alma só procuro.De haver nele mudança estou seguro,
sem temer nenhum caso ou duro Fado,
nem o supremo bem ou baixo estado,
nem o tempo presente nem futuro.A bonina e a flor asinha passa;
tudo por terra o Inverno e Estio
deita, só para meu amor é sempre Maio.Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
e que essa ingratidão tudo me enjeita,
traz este meu amor sempre em desmaio.
A Dor da Ausência Fica Mais Pequena
Quando vejo que meu destino ordena
Que, por me experimentar, de vós me aparte,
Deixando de meu bem tão grande parte,
Que a mesma culpa fica grave pena,O duro desfavor, que me condena,
Quando pela memória se reparte,
Endurece os sentidos de tal arte
Que a dor da ausência fica mais pequena.Mas como pode ser que na mudança
Daquilo que mais quero, este tão fora
De me não apartar também da vida?Eu refrearei tão áspera esquivança,
Porque mais sentirei partir, Senhora,
Sem sentir muito a pena da partida.
Porque Quereis, Senhora, Que Ofereça
Porque quereis, Senhora, que ofereça
a vida a tanto mal como padeço?
Se vos nasce do pouco que mereço,
bem por nascer está quem vos mereça.Sabei que, enfim, por muito que vos peça,
que posso merecer quanto vos peço;
que não consente Amor que em baixo preço
tão alto pensamento se conheça.Assi que a paga igual de minhas dores,
com nada se restaura, mas deveis ma,
por ser capaz de tantos disfavores.E se o valor de vossos servidores
houver de ser igual convosco mesma,
vós só convosco mesma andai d’amores.
Na Desesperação Já Repousava
Na desesperação já repousava
o peito longamente magoado,
e, com seu dano eterno concertado,
já não temia, já não desejava;quando üa sombra vã me assegurava
que algum bem me podia estar guardado
em tão fermosa imagem que o treslado
n’alma ficou, que nela se enlevava.Que crédito que dá tão facilmente
o coração áquilo que deseja,
quando lhe esquece o fero seu destino!Oh! deixem-me enganar, que eu sou
contente; que, posto que maior meu dano seja,
fica-me a glória já do que imagino.
Quem diz que Amor é falso ou enganoso
Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
Ligeiro, ingrato, vão desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.Amor é brando, é doce, e é piedoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens, e inda aos Deuses, odioso.Se males faz Amor em mim se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.Mas todas suas iras são de Amor;
Todos os seus males são um bem,
Que eu por todo outro bem não trocaria.
Amor, Co A Esperança Já Perdida
Amor, co a esperança já perdida,
teu soberano templo visitei;
por sinal do naufrágio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.Que queres mais de mim, que destruída
me tens a glória toda que alcancei?
Não cuides de forçar me, que não sei
tornar a entrar onde não há saída.Vês aqui alma, vida e esperança,
despojos doces de meu bem passado,
enquanto quis aquela que eu adoro:nelas podes tomar de mim vingança;
e se inda não estás de mim vingado,
contenta te com as lágrimas que choro.
Amor é um Fogo que Arde sem se Ver
Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Ah! Fortuna Cruel! Ah! Duros Fados!
Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
Quão asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
então nü’hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.Ah! quanto milhor fora não vos ver,
gostos, que assi passais tão de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:sem vós já me não fica que perder,
se não se for esta cansada vida,
que por mor perda minha não perdi.