Sonetos sobre Ventura de Luís de Camões

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Sonetos de ventura de Luís de Camões. Leia este e outros sonetos de Luís de Camões em Poetris.

Quando Cuido No Tempo Que, Contente

Quando cuido no tempo que, contente,
vi as pérolas, neve, rosa e ouro,
como quem vê por sonhos um tesouro,
parece tenho tudo aqui presente.

Mas tanto que se passa este acidente,
e vejo o quão distante de vós mouro,
temo quanto imagino por agouro,
porque d’imaginar também me ausente.

Já foram dias em que por ventura
vos vi, Senhora (se, assi dizendo, posso
co coração seguro estar sem medo);

Agora, em tanto mal não mo assegura
a própria fantasia e nojo vosso:
eu não posso entender este segredo!

Amor Fero e Cruel, Fortuna Escura

Grão tempo há já que soube da Ventura
A vida que me tinha destinada,
Que a longa experiência da passada
Me dava claro indício da futura.

Amor fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa força exprimentada;
Assolai, destruí, não fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.

Soube Amor da Ventura que a não tinha,
E por que mais sentisse a falta dela,
De imagens impossíveis me mantinha.

Mas vós, Senhora, pois que minha estrela
Não foi melhor, vivei nesta alma minha,
Que não tem a Fortuna poder nela.

Tão Conformes na Ventura

Quantas vezes do fuso se esquecia
Daliana, banhando o lindo seio,
Outras tantas de um áspero receio
Salteado Laurénio a cor perdia.

Ela, que a Sílvio mais que a si queria,
Para podê-lo ver não tinha meio.
Ora como curara o mal alheio
Quem o seu mal tão mal curar podia?

Ele, que viu tão clara esta verdade,
Com soluços dizia (que a espessura
Inclinavam, de mágoa, a piedade):

Como pode a desordem da natura
Fazer tão diferentes na vontade
Aos que fez tão conformes na ventura?

No Mundo Poucos Anos, E Cansados

No mundo poucos anos, e cansados,
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tão cedo a luz do dia escura,
que não vi cinco lustros acabados.

Corri terras e mares apartados
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, não quer ventura,
não o alcançam trabalhos arriscados.

Criou-me Portugal na verde e cara
pátria minha Alenquer; mas ar corruto
que neste meu terreno vaso tinha,

me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates na Abássia fera e avara,
tão longe da ditosa pátria minha!

Vós, Ninfas Da Gangética Espessura

Vós, Ninfas da gangética espessura,
cantai suavemente, em vez sonora,
um grande Capitão, que a roxa Aurora
dos filhos defendeu da noite escura.

Ajuntou-se a caterva negra e dura,
que na Áurea Quersoneso afouta mora,
para lançar do caro ninho fora
aqueles que mais podem que a ventura.

Mas um forte Leão, com pouca gente,
a multidão tão fera como nécia
destruindo castiga e torna fraca.

Pois, ó Ninfas, cantai! que claramente
mais do que Leonidas fez em Grécia,
o nobre Leonis fez em Malaca.

Onde acharei lugar tão apartado

Onde acharei lugar tão apartado
E tão isento em tudo da ventura,
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?

Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitária, triste e escura,
Sem fonte clara ou plácida verdura,
Enfim, lugar conforme a meu cuidado?

Porque ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente;

Que, pois a minha pena é sem medida,
Ali triste serei em dias ledos
E dias tristes me farão contente.

Cara Minha Inimiga, Em Cuja Mão

Cara minha inimiga, em cuja mão
pôs meus contentamentos a ventura,
faltou te a ti na terra sepultura,
porque me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
a tua peregrina fermosura;
mas, enquanto me a mim a vida dura,
sempre viva em minh’alma te acharão.

E se meus rudos versos podem tanto
que possam prometer te longa história
daquele amor tão puro e verdadeiro,

celebrada serás sempre em meu canto;
porque enquanto no mundo houver memória,
será minha escritura teu letreiro.

Diana Prateada, Esclarecia

Diana prateada, esclarecia
com a luz que do claro Febo ardente,
por ser de natureza transparente,
em si, como em espelho, reluzia.

Cem mil milhões de graças lhe influía,
quando me apareceu o excelente
raio de vosso aspecto, diferente
em graça e em amor do que soía.

Eu, vendo-me tão cheio de favores,
e tão propínquo a ser de todo vosso,
louvei a hora clara, e a noite escura,

Sois nela destes cor a meus amores;
donde colijo claro que não posso
de dia para vós já ter ventura.

No mundo quis o Tempo que se achasse

No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por exprimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.

Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tão longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.

Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mãos de um leve lenho.

Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado,
Já sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho já que não a tenho.

Cara Minha Inimiga

Cara minha inimiga, em cuja mão
Pôs meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Por que me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
A tua peregrina formosura:
Mas enquanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharão.

E, se meus rudos versos podem tanto,
Que possam prometer-te longa história
Daquele amor tão puro e verdadeiro,

Celebrada serás sempre em meu canto:
Porque, enquanto no mundo houver memória,
Será a minha escritura o teu letreiro.

Louvado Seja Amor em Meu Tormento

No tempo que de amor viver soía,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em várias flamas variamente ardia.

Que ardesse n’um só fogo não queria
O Céu porque tivesse experimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.

E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co’o peso descansou
Por tornar a cansar com mais alento.

Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tão cansado sofrimento!

No Mundo Quis Um Tempo Que Se Achasse

No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por exprimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.

Mas, por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tão longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.

Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mãos de um leve lenho.

Mas (segundo o que o Céu me tem mostrado)
já sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho já, que não a tenho.

Ah! Imiga Cruel, Que Apartamento

Ah! imiga cruel, que apartamento
é este que fazeis da pátria terra?
Quem do paterno ninho vos desterra,
glória dos olhos, bem do pensamento?

Is tentar da fortuna o movimento
e dos ventos cruéis a dura guerra?
Ver brenhas d’água, e o mar feito em serra,
levantado de um vento e d’outro vento?

Mas já que vos partis, sem vos partirdes,
para convosco o Céu tanta ventura,
que seja mor que aquela que esperardes.

E só nesta verdade ide segura:
que ficam mais saudades com partirdes,
do que breves desejos de chegardes.

Que Pode Já Fazer Minha Ventura

Que pode já fazer minha ventura
que seja para meu contentamento.,
Ou como fazer devo fundamento
de cousa que o não tem, nem é segura?

Que pena pode ser tão certa e dura
que possa ser maior que meu tormento?
Ou como receará meu pensamento
os males, se com eles mais se apura?

Como quem se costuma de pequeno
com peçonha criar por mão ciente,
da qual o uso já o tem seguro;

assi de acostumado co veneno,
o uso de sofrer meu mal presente
me faz não sentir já nada o futuro.

Nunca em amor danou o atrevimento

Nunca em amor danou o atrevimento;
Favorece a Fortuna a ousadia;
Porque sempre a encolhida cobardia
De pedra serve ao livre pensamento.

Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A Estrela nele encontra que lhe é guia;
Que o bem que encerra em si a fantasia,
São u~as ilusões que leva o vento.

Abrir-se devem passos à ventura;
Sem si próprio ninguém será ditoso;
Os princípios somente a Sorte os move.

Atrever-se é valor e não loucura;
Perderá por cobarde o venturoso
Que vos vê, se os temores não remove.

Quando Se Vir Com Água O Fogo Arder

Quando se vir com água o fogo arder,
e misturar co dia a noite escura,
e a terra se vir naquela altura
em que se vem os Céus prevalecer;

o Amor por razão mandado ser,
e a todos ser igual nossa ventura,
com tal mudança, vossa formosura
então a poderei deixar de ver.

Porém não sendo vista esta mudança
no mundo (como claro está não ver-se),
não se espere de mim deixar de ver-vos.

Que basta estar em vós minha esperança,
o ganho de minha alma, e o perder-se,
para não deixar nunca de querer-vos.

Quem Quiser Ver D’amor Üa Excelência

Quem quiser ver d’Amor üa excelência
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me põe minha ventura,
por ter de minha fé experiência.

Onde lembranças mata a longa ausência,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade está segura,
quando mor risco corre a paciência.

Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e próspera ventura;

Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na língua o nome, n’alma a vista pura.

Com Tornar-vos a Ver Amor me Cura

Ferido sem ter cura perecia
O forte e duro Télefo temido
Por aquele que na água foi metido,
E a quem ferro nenhum cortar podia.

Quando a apolíneo Oráculo pedia
Conselho para ser restituído,
Respondeu-lhe, tornasse a ser ferido
Por quem o já ferira, e sararia.

Assim, Senhora, quer minha ventura,
Que ferido de ver-vos claramente,
Com tornar-vos a ver Amor me cura.

Mas é tão doce vossa formosura,
Que fico como o hidrópico doente,
Que bebendo lhe cresce mor secura.

Doce Contentamento Já Passado

Doce contentamento já passado,
em que todo meu bem já consistia,
quem vos levou de minha companhia
e me deixou de vós tão apartado?

Quem cuidou que se visse neste estado
naquelas breves horas de alegria,
quando minha ventura consentia
que de enganos vivesse meu cuidado?

Fortuna minha foi, cruel e dura,
aquela que causou meu perdimento,
com a qual ninguém pode ter cautela.

Nem se engane nenhüa criatura,
que não pode nenhum impedimento
fugir do que [lhe] ordena sua estrela.

Ditosa Ave

Quem fosse acompanhando juntamente
Por esses verdes campos a avezinha,
Que despois de perder um bem que tinha,
Não sabe mais que cousa é ser contente!

E quem fosse apartando-se da gente,
Ela por companheira e por vizinha,
Me ajudasse a chorar a pena minha,
E eu a ela também a que ela sente!

Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem não dá segundo,
Dá-lhe o ser triste a seu contentamento.

Mas triste quem de longe quis ventura
Que para respirar lhe falte o vento,
E para tudo, enfim, lhe falte o mundo!