Sonetos sobre Pena de Luís de Camões

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Sonetos de pena de Luís de Camões. Leia este e outros sonetos de Luís de Camões em Poetris.

Onde acharei lugar tĂŁo apartado

Onde acharei lugar tĂŁo apartado
E tĂŁo isento em tudo da ventura,
Que, nĂŁo digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?

Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitária, triste e escura,
Sem fonte clara ou plácida verdura,
Enfim, lugar conforme a meu cuidado?

Porque ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente;

Que, pois a minha pena Ă© sem medida,
Ali triste serei em dias ledos
E dias tristes me farĂŁo contente.

A Dor da AusĂŞncia Fica Mais Pequena

Quando vejo que meu destino ordena
Que, por me experimentar, de vĂłs me aparte,
Deixando de meu bem tĂŁo grande parte,
Que a mesma culpa fica grave pena,

O duro desfavor, que me condena,
Quando pela memĂłria se reparte,
Endurece os sentidos de tal arte
Que a dor da ausĂŞncia fica mais pequena.

Mas como pode ser que na mudança
Daquilo que mais quero, este tĂŁo fora
De me não apartar também da vida?

Eu refrearei tão áspera esquivança,
Porque mais sentirei partir, Senhora,
Sem sentir muito a pena da partida.

Do Viver me Desapossa aquele Riso com que a Vida Dais

Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do CĂ©u certĂ­ssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.

E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que, sĂł por me nĂŁo verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!

Ditoso Seja Aquele Que Somente

Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
ois por elas não perde as esperanças
de poder n’algum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando ausente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porqu’, inda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
d’erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo,
sem ficar n’alma a mágoa do pecado.

Somente se Queixa de Amorosas Esquivanças

Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder nalgum tempo ser contente.

Ditoso seja quem estando ausente
Não sente mais que a pena das lembranças;
Porqu’inda que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem um coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
De erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo
Sem ficar na alma a mágoa do pecado.

Apolo E As Nove Musas, Discantando

Apolo e as nove Musas, discantando
com a dourada lira, me influĂ­am
na suave harmonia que faziam,
quando tomei a pena, começando:

-Ditoso seja o dia e hora, quando
tĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
estar se em seu desejo traspassando!

Assi cantava, quando Amor virou
a roda à esperança, que corria
tĂŁo ligeira que quase era invisĂ­vel.

Converteu se me em noite o claro dia;
e, se algüa esperança me ficou,
será de maior mal, se for possível.

Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa

Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do CĂ©u certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.

E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que sĂł por nĂŁo me verdes,
ver vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
tanto gosto levais de minha pena!

Que o Rudo Engenho Meu me Desengana

De tĂŁo divino acento em voz humana,
De elegâncias que são tão peregrinas,
Sei bem que minhas obras nĂŁo sĂŁo dignas,
Que o rudo engenho meu me desengana.

Porém da vossa pena ilustre mana
Licor que vence as águas Cabalinas;
E convosco do Tejo as flores finas
FarĂŁo inveja Ă  cĂłpia Mantuana.

E pois a vĂłs, de si nĂŁo sendo avaras,
As filhas de MnemĂłsine fermosa
Partes dadas vos tĂŞm ao mundo claras;

A minha Musa, e a vossa tĂŁo famosa,
Ambas se podem nele chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.

De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança

De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
se mais há de perder quem mais alcança.

Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas águas do eterno esquecimento
segura passará minha lembrança.

Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.

Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glĂłria que em sofrer tal pena sentem.

Ordena Amor que Morra, e Pene Juntamente

Como fizeste, Ăł Porcia, tal ferida?
Foi voluntária, ou foi por inocência?
É que Amor fazer só quis experiência
Se podia eu sofrer, tirar-me a vida?

E com teu prĂłprio sangue te convida
A que faças à morte resistência?
É que costume faço da paciência,
Porque o temor morrer me nĂŁo impida.

Pois porque estás comendo com fogo ardente,
Se a ferro te costumas? É que ordena
Amor que morra, e pene juntamente.

E tens a dor do ferro por pequena?
Si, que a dor costumada nĂŁo se sente,
E nĂŁo quero eu a morte sem a pena.

Dai Me Ăśa Lei, Senhora, De Querer Vos

Dai me ĂĽa lei, Senhora, de querer vos,
que a guarde, sĂ´ pena de enojar vos;
que a fé que me obriga a tanto amar vos
fará que fique em lei de obedecer vos.

Tudo me defendei, senĂŁo sĂł ver vos,
e dentro na minh’alma contemplar vos;
que, se assi nĂŁo chegar a contentar vos,
ao menos que nĂŁo chegue [a] aborrecer vos.

E, se essa condição cruel e esquiva,
que me dois lei de vida nĂŁo consente,
dai ma, Senhora, já, seja de morte.

Se nem essa me dais, Ă© bem que viva,
sem saber como vivo, tristemente,
mas contente porém de minha sorte.

Sustenta Meu Viver Üa Esperança

Sustenta meu viver üa esperança
derivada de um bem tĂŁo desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dúvida me põe qualquer mudança.

E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
será por quem de vós não tem lembrança.

Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
üa nova matéria a meu cuidado .

Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.

Se tanta pena tenho merecida

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.

Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.

Mas contra vosso olhos quais serĂŁo?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.

Porque, em tão dura e áspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

A FĂ© que me Obriga a Tanto Amar-vos

Dai-me Ĺ©a lei, Senhora, de querer-vos,
Porque a guarde sob pena de enojar-vos;
Pois a fé que me obriga a tanto amar-vos
Fará que fique em lei de obedecer-vos.

Tudo me defendei, senĂŁo sĂł ver-vos
E dentro na minha alma contemplar-vos;
Que se assim nĂŁo chegar a contentar-vos,
Ao menos nunca chegue a aborrecer-vos.

E se essa condição cruel e esquiva
Que me deis lei de vida nĂŁo consente,
Dai-ma, Senhora, já, seja de morte.

Se nem essa me dais, Ă© bem que viva,
Sem saber como vivo, tristemente;
Mas contente estarei com minha sorte.

Se pena por amar-vos se merece

Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre está? ou quem isento?
Que alma, que razĂŁo, que entendimento
Em ver-vos se nĂŁo rende e obedece?

Que mor glĂłria na vida se oferece
Que ocupar-se em vĂłs o pensamento?
Toda a pena cruel, todo o tormento
Em ver-vos se nĂŁo sente, mas esquece.

Mas se merece pena quem amando
Contínuo vos está, se vos ofende,
O mundo matareis, que todo Ă© vosso.

Em mim, Senhora, podeis ir começando,
Que claro se conhece e bem se entende
Amar-vos quanto devo e quanto posso.

Se as Penas com que Amor TĂŁo Mal me Trata

Se as penas com que Amor tĂŁo mal me trata
Permitirem que eu tanto viva delas,
Que veja escuro o lume das estrelas,
Em cuja vista o meu se acende e mata;

E se o tempo, que tudo desbarata,
Secar as frescas rosas, sem colhĂŞ-las,
Deixando a linda cor das tranças belas
Mudada de ouro fino em fina prata;

Também, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva já sua mudança.

Ver-vos-eis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.

Que Pode Já Fazer Minha Ventura

Que pode já fazer minha ventura
que seja para meu contentamento.,
Ou como fazer devo fundamento
de cousa que o nĂŁo tem, nem Ă© segura?

Que pena pode ser tĂŁo certa e dura
que possa ser maior que meu tormento?
Ou como receará meu pensamento
os males, se com eles mais se apura?

Como quem se costuma de pequeno
com peçonha criar por mão ciente,
da qual o uso já o tem seguro;

assi de acostumado co veneno,
o uso de sofrer meu mal presente
me faz não sentir já nada o futuro.

Está O Lascivo E Doce Passarinho

Está o lascivo e doce passarinho
com o biquinho as penas ordenando;
o verso sem medida, alegre e brando,
espedindo no rĂşstico raminho;

o cruel caçador (que do caminho
se vem calado e manso desviando)
na pronta vista a seta endireitando,
lhe dá no Estígio lago eterno ninho.

Dest’ arte o coração, que livre andava,
(posto que já de longe destinado)
onde menos temia, foi ferido.

Porque o Frecheiro cego me esperava,
para que me tomasse descuidado,
em vossos claros olhos escondido.

Quanto Mais me Paga, Mais me Deve

Passo por meus trabalhos tĂŁo isento
De sentimento grande nem pequeno,
Que sĂł por a vontade com que peno
Me fica Amor devendo mais tormento.

Mas vai-me Amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga c’o veneno,
Que do penar a ordem desordeno,
Porque nĂŁo mo consente o sofrimento.

Porém se esta fineza o Amor sente
E pagar-me meu mal com mal pretende,
Torna-me com prazer como ao sol neve.

Mas se me vĂŞ co’os males tĂŁo contente,
Faz-se avaro da pena, porque entende
Que quanto mais me paga, mais me deve.

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem nĂŁo deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
TĂŁo asinha esta vida desprezaste!

Como já pera sempre te apartaste
De quem tĂŁo longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que nĂŁo visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tĂŁo cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?