Sempre a RazĂŁo vencida foi de Amor
Sempre a RazĂŁo vencida foi de Amor;
Mas, porque assim o pedia o coração,
Quis Amor ser vencido da RazĂŁo.
Ora que caso pode haver maior!Novo modo de morte e nova dor!
Estranheza de grande admiração,
Que perde suas forças a afeição,
Por que nĂŁo perca a pena o seu rigor.Pois nunca houve fraqueza no querer,
Mas antes muito mais se esforça assim
Um contrĂĄrio com outro por vencer.Mas a RazĂŁo, que a luta vence, enfim,
NĂŁo creio que Ă© RazĂŁo; mas hĂĄ-de ser
Inclinação que eu tenho contra mim.
Sonetos sobre Pena de LuĂs de CamĂ”es
35 resultadosSenhora JĂĄ Dest’alma, Perdoai
Senhora jĂĄ dest’alma, perdoai
de um vencido de Amor os desatinos,
e sejam vossos olhos tĂŁo beninos
com este puro amor, que d’alma sai.A minha pura fĂ© somente olhai,
e vede meus extremos se sĂŁo finos;
e se de algĂŒa pena forem dinos,
em mim, Senhora minha, vos vingai.NĂŁo seja a dor que abrasa o triste peito
causa por onde pene o coração,
que tanto em firme amor vos Ă© sujeito.Guardai-vos do que alguns, Dama, dirĂŁo,
que, sendo raro em tudo vosso objeito,
possa morar em vĂłs ingratidĂŁo.
Quando A Suprema Dor Muito Me Aperta
Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconserta.Assi, de erro tĂŁo grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
que mostra ser engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.Porque essa prĂłpria imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.
Onde acharei lugar tĂŁo apartado
Onde acharei lugar tĂŁo apartado
E tĂŁo isento em tudo da ventura,
Que, nĂŁo digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitĂĄria, triste e escura,
Sem fonte clara ou plĂĄcida verdura,
Enfim, lugar conforme a meu cuidado?Porque ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente;Que, pois a minha pena Ă© sem medida,
Ali triste serei em dias ledos
E dias tristes me farĂŁo contente.
A Dor da AusĂȘncia Fica Mais Pequena
Quando vejo que meu destino ordena
Que, por me experimentar, de vĂłs me aparte,
Deixando de meu bem tĂŁo grande parte,
Que a mesma culpa fica grave pena,O duro desfavor, que me condena,
Quando pela memĂłria se reparte,
Endurece os sentidos de tal arte
Que a dor da ausĂȘncia fica mais pequena.Mas como pode ser que na mudança
Daquilo que mais quero, este tĂŁo fora
De me não apartar também da vida?Eu refrearei tão åspera esquivança,
Porque mais sentirei partir, Senhora,
Sem sentir muito a pena da partida.
Do Viver me Desapossa aquele Riso com que a Vida Dais
Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do CĂ©u certĂssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que, só por me não verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!
Ditoso Seja Aquele Que Somente
Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
ois por elas não perde as esperanças
de poder n’algum tempo ser contente.Ditoso seja quem, estando ausente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porqu’, inda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.Ditoso seja, enfim, qualquer estado
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.Mas triste quem se sente magoado
d’erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo,
sem ficar n’alma a mĂĄgoa do pecado.
Somente se Queixa de Amorosas Esquivanças
Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder nalgum tempo ser contente.Ditoso seja quem estando ausente
Não sente mais que a pena das lembranças;
Porqu’inda que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem um coração atormentado.Mas triste quem se sente magoado
De erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo
Sem ficar na alma a mĂĄgoa do pecado.
Apolo E As Nove Musas, Discantando
Apolo e as nove Musas, discantando
com a dourada lira, me influĂam
na suave harmonia que faziam,
quando tomei a pena, começando:-Ditoso seja o dia e hora, quando
tĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
estar se em seu desejo traspassando!Assi cantava, quando Amor virou
a roda à esperança, que corria
tĂŁo ligeira que quase era invisĂvel.Converteu se me em noite o claro dia;
e, se algĂŒa esperança me ficou,
serĂĄ de maior mal, se for possĂvel.
Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa
Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
tanto gosto levais de minha pena!
Que o Rudo Engenho Meu me Desengana
De tĂŁo divino acento em voz humana,
De elegĂąncias que sĂŁo tĂŁo peregrinas,
Sei bem que minhas obras nĂŁo sĂŁo dignas,
Que o rudo engenho meu me desengana.Porém da vossa pena ilustre mana
Licor que vence as ĂĄguas Cabalinas;
E convosco do Tejo as flores finas
FarĂŁo inveja Ă cĂłpia Mantuana.E pois a vĂłs, de si nĂŁo sendo avaras,
As filhas de MnemĂłsine fermosa
Partes dadas vos tĂȘm ao mundo claras;A minha Musa, e a vossa tĂŁo famosa,
Ambas se podem nele chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.
De Vós Me Aparto, à Vida! Em Tal Mudança
De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
se mais hå de perder quem mais alcança.Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas ĂĄguas do eterno esquecimento
segura passarå minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glĂłria que em sofrer tal pena sentem.
Ordena Amor que Morra, e Pene Juntamente
Como fizeste, Ăł Porcia, tal ferida?
Foi voluntĂĄria, ou foi por inocĂȘncia?
Ă que Amor fazer sĂł quis experiĂȘncia
Se podia eu sofrer, tirar-me a vida?E com teu prĂłprio sangue te convida
A que faças Ă morte resistĂȘncia?
Ă que costume faço da paciĂȘncia,
Porque o temor morrer me nĂŁo impida.Pois porque estĂĄs comendo com fogo ardente,
Se a ferro te costumas? Ă que ordena
Amor que morra, e pene juntamente.E tens a dor do ferro por pequena?
Si, que a dor costumada nĂŁo se sente,
E nĂŁo quero eu a morte sem a pena.
Dai Me Ăa Lei, Senhora, De Querer Vos
Dai me ĂŒa lei, Senhora, de querer vos,
que a guarde, sĂŽ pena de enojar vos;
que a fé que me obriga a tanto amar vos
farĂĄ que fique em lei de obedecer vos.Tudo me defendei, senĂŁo sĂł ver vos,
e dentro na minh’alma contemplar vos;
que, se assi nĂŁo chegar a contentar vos,
ao menos que não chegue [a] aborrecer vos.E, se essa condição cruel e esquiva,
que me dois lei de vida nĂŁo consente,
dai ma, Senhora, jĂĄ, seja de morte.Se nem essa me dais, Ă© bem que viva,
sem saber como vivo, tristemente,
mas contente porém de minha sorte.
Sustenta Meu Viver Ăa Esperança
Sustenta meu viver ĂŒa esperança
derivada de um bem tĂŁo desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dĂșvida me pĂ”e qualquer mudança.E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
serå por quem de vós não tem lembrança.Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
ĂŒa nova matĂ©ria a meu cuidado .Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.
Se tanta pena tenho merecida
Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.Mas contra vosso olhos quais serĂŁo?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.Porque, em tão dura e åspera contenda,
Ă bem que, pois nĂŁo acho defensĂŁo,
Com me meter nas lanças me defenda.
A FĂ© que me Obriga a Tanto Amar-vos
Dai-me Ʃa lei, Senhora, de querer-vos,
Porque a guarde sob pena de enojar-vos;
Pois a fé que me obriga a tanto amar-vos
FarĂĄ que fique em lei de obedecer-vos.Tudo me defendei, senĂŁo sĂł ver-vos
E dentro na minha alma contemplar-vos;
Que se assim nĂŁo chegar a contentar-vos,
Ao menos nunca chegue a aborrecer-vos.E se essa condição cruel e esquiva
Que me deis lei de vida nĂŁo consente,
Dai-ma, Senhora, jĂĄ, seja de morte.Se nem essa me dais, Ă© bem que viva,
Sem saber como vivo, tristemente;
Mas contente estarei com minha sorte.
Se pena por amar-vos se merece
Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre estĂĄ? ou quem isento?
Que alma, que razĂŁo, que entendimento
Em ver-vos se nĂŁo rende e obedece?Que mor glĂłria na vida se oferece
Que ocupar-se em vĂłs o pensamento?
Toda a pena cruel, todo o tormento
Em ver-vos se nĂŁo sente, mas esquece.Mas se merece pena quem amando
ContĂnuo vos estĂĄ, se vos ofende,
O mundo matareis, que todo é vosso.Em mim, Senhora, podeis ir começando,
Que claro se conhece e bem se entende
Amar-vos quanto devo e quanto posso.
Se as Penas com que Amor TĂŁo Mal me Trata
Se as penas com que Amor tĂŁo mal me trata
Permitirem que eu tanto viva delas,
Que veja escuro o lume das estrelas,
Em cuja vista o meu se acende e mata;E se o tempo, que tudo desbarata,
Secar as frescas rosas, sem colhĂȘ-las,
Deixando a linda cor das tranças belas
Mudada de ouro fino em fina prata;Também, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva jå sua mudança.Ver-vos-eis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.
Que Pode JĂĄ Fazer Minha Ventura
Que pode jĂĄ fazer minha ventura
que seja para meu contentamento.,
Ou como fazer devo fundamento
de cousa que o nĂŁo tem, nem Ă© segura?Que pena pode ser tĂŁo certa e dura
que possa ser maior que meu tormento?
Ou como recearĂĄ meu pensamento
os males, se com eles mais se apura?Como quem se costuma de pequeno
com peçonha criar por mão ciente,
da qual o uso jĂĄ o tem seguro;assi de acostumado co veneno,
o uso de sofrer meu mal presente
me faz nĂŁo sentir jĂĄ nada o futuro.