Sonetos Exclamativos de Cláudio Manuel da Costa

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XLVIII

Traidoras horas do enganoso gosto,
Que nunca imaginei, que o possuĂ­a,
Que ligeiras passastes! mal podia
Deixar aquele bem de ser suposto.

Já de parte o tormento estava posto;
E meu peito saudoso, que isto via,
As imagens da pena desmentia,
Pintando da ventura alegre o rosto.

Desanda então a fábrica elevada,
Que o plácido Morfeu tinha erigido,
Das espécies do sono fabricada:

EntĂŁo Ă©, que desperta o meu sentido,
Para observar na pompa destroçada,
Verdadeira a ruĂ­na, o bem fingido.

XIX

Corino, vai buscar aquela ovelha,
Que grita lá no campo, e dormiu fora;
Anda; acorda, pastor; que sai a Aurora:
Como vem tĂŁo risonha, e tĂŁo vermelha!

Já perdi noutro tempo uma parelha
Por teu respeito; queira Deus, que agora
Não se me vá também estoutra embora;
Pois nĂŁo queres ouvir, quem te aconselha.

Que sono será este tão pesado!
Nada responde, nada diz Corino:
Ora em que mãos está meu pobre gado!

Mas ai de mim! que cego desatino.
Como te hei de acusar de descuidado,
Se toda a culpa tua Ă© meu destino!

XXX

NĂŁo se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora só, que a mísera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.

Mil imagens debuxa a fantasia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de uma esperança,
Que alĂ­vio pode dar me esta porfia!

Tirano foi comigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca vitĂłria,
Me deixou para sempre o teu retrato:

Eu me alegrara da passada glĂłria,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória.

XXXVII

Continuamente estou imaginando,
Se esta vida, que logro, tĂŁo pesada,
Há de ser sempre aflita, e magoada,
Se como o tempo enfim se há de ir mudando:

Em golfos de esperança flutuando
Mil vezes busco a praia desejada;
E a tormenta outra vez nĂŁo esperada
Ao pélago infeliz me vai levando.

Tenho já o meu mal tão descoberto,
Que eu mesmo busco a minha desventura;
Pois nĂŁo pode ser mais seu desconcerto.

Que me pode fazer a sorte dura,
Se para nĂŁo sentir seu golpe incerto,
Tudo o que foi paixão, é já loucura!