Sonetos sobre Tiranos de Cláudio Manuel da Costa

7 resultados
Sonetos de tiranos de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

LXIX

Se à memória trouxeres algum dia,
Belíssima tirana, ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;

Confunda-te a soberba tirania,
O ódio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.

E já que enfim tão mísero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.

Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!

XCVIII

Destes penhascos fez a natureza
O berço, em que nasci! oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigre por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.

XLIII

Quem és tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma víbora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!

Não era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
Não era… mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:

Pois como no letargo a fantasia
Tão cruel ma pintou, tão inconstante,
Que a vi… ? mas nada vi; que eu nada cria.

Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor não deu favores um só dia,
Que a sombra de um tormento os não quebrante.

IX

Pouco importa, formosa Daliana,
Que fugindo de ouvir me, o fuso tomes;
Se quanto mais me afliges, e consomes,
Tanto te adoro mais, bela serrana.

Ou já fujas do abrigo da cabana,
Ou sobre os altos montes mais te assomes,
Faremos imortais os nossos nomes,
Eu por ser firme, tu por ser tirana.

Um obséquio, que foi de amor rendido,
Bem pode ser, pastora, desprezado;
Mas nunca se verá desvanecido:

Sim, que para lisonja do cuidado,
Testemunhas serão de meu gemido
Este monte, este vale, aquele prado.

LXV

Ingrata foste, Elisa; eu te condeno
A injusta sem-razão; foste tirana,
Em renderes, belíssima serrana,
A tua liberdade ao néscio Almeno.

Que achaste no seu rosto de sereno,
De belo, ou de gentil, para inumana
Trocares pela dele esta choupana,
Em que tinhas o abrigo mais ameno?

Que canto em teu louvor entoaria?
Que te podia dar o pastor pobre?
Que extremos, mais do que eu, por ti faria?

O meu rebanho estas montanhas cobre:
Eu os excedo a todos na harmonia;
Mas ah que ele é feliz! Isto lhe sobre

XXX

Não se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora só, que a mísera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.

Mil imagens debuxa a fantasia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de uma esperança,
Que alívio pode dar me esta porfia!

Tirano foi comigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca vitória,
Me deixou para sempre o teu retrato:

Eu me alegrara da passada glória,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória.

XXXII

Se os poucos dias, que vivi contente,
Foram bastantes para o meu cuidado,
Que pode vir a um pobre desgraçado,
Que a idéia de seu mal não acrescente!

Aquele mesmo bem, que me consente,
Talvez propício, meu tirano fado,
Esse mesmo me diz, que o meu estado
Se há de mudar em outro diferente.

Leve pois a fortuna os seus favores;
Eu os desprezo já; porque é loucura
Comprar a tanto preço as minhas dores:

Se quer, que me não queixe, a sorte escura,
Ou saiba ser mais firme nos rigores,
Ou saiba ser constante na brandura.