Sonetos sobre Face de José Régio

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Sonetos de face de José Régio. Leia este e outros sonetos de José Régio em Poetris.

Ícaro

A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mĂŁos postas e adorei-a.

Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidÔes desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia…

Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silĂȘncio gelou em derredor…
E eu levantei a face, a tremer todo:

Jesus! ruĂ­ra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.

Narciso

Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu prĂłprio poço…
Ah, que terrível face e que arcabouço
Este meu corpo lĂąnguido escondia!

Ó boca tumular, cerrada e fria,
Cujo silĂȘncio esfĂ­ngico bem ouço!
Ó lindos olhos sîfregos, de moço,
Numa fronte a suar melancolia!

Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:

Que eu vivo Ă  espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
…LĂĄ no fundo do poço em que me espelho!