Sonetos sobre Fados de Anibal Beça

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Sonetos de fados de Anibal Beça. Leia este e outros sonetos de Anibal Beça em Poetris.

Nossa Língua

para o poeta Antoniel Campos*

O doce som de mel que sai da boca
na língua da saudade e do crepúsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiúsculos.

É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu músculo
na hora que é preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opúsculo.

Dizer e maldizer do mel ao fel
é fado de cantigas tão antigas
desde Camões, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abriga

na língua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que não se cala.

* “filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra língua a minha língua cale.”

Soneto De Aniversário

Setembro me agasalha nos seus galhos
e de amor canto no seu verde ventre:
Eis a ventura vaga em danação,
bronze canonizado nas cigarras.

O canto é breve, fino, e já anuncia
o inconfundível som do último acorde:
aquele dó de peito em nó estrídulo.
Como Bashô sonhara, é despedida

que mal se sabe, é morte anunciada,
canora liturgia sazonal.
Em setembro me mato e me renasço

em canto livre, rouco, sem ter palco,
representando de cor e salteado
o meu 13, que é fado e sortilégio.

Dialética

Quando não se queima lenha
na casa de palha e taipa,
sinal de fome que escapa
à saga que se faz senha.

Rio, termômetro da várzea,
geografia de sol e chuva;
linha d’água, arco em curva,
elementos dessa faina.

Um pássaro risca na tarde
a cambraia do seu canto;
o fado da sarça, que arde,

queimando encardidos lírios
e a tua palidez palustre
em febre acendendo círios.

Ars Poética

Nesse afago do meu fado afogado
as águas já me sabem nadador.
A rês na travessia marejada
gado da grei de um mar revelador.

Vou e volto lambendo o sal do fardo
língua no labirinto, ardendo em cor
furtiva, enquanto messe temperada,
da tribo das palavras sou cantor.

Procuro em frio exílio tipográfico
o verbo mais sonoro em melodia
o ritmo para a cal de um pasto cáustico.

Sou boi e sou vaqueiro dia a dia
no laço entrelaçado fiz-me prático
catador de capins nas pradarias.

Poeira (Para José Felix)

Do pó ao pólen posta-se o poema
na penumbra do parto antecipado.
Abre-se uma janela sem algema
presa somente do seu próprio fado.

Areia e barro, sol com sua gema,
a gala clara do ovo, visgo dado
ao solo só de vértebras, seu tema
variado na avena: chão arado.

O tropo, o trapo, as vestes: eis aí
a massa que caldeia essa bigorna
ensolando alimárias ao se de si.

Nada é constante e tudo se transforma.
Eppur si muove em ánima no giz
escrito no vaivém se vai e torna.

Dionysio

Ungido para o fado e a nova festa
Meu carnaval profano já celebra
As quarentenas dívidas da carne
Na cela de costelas das mulheres.

Como devasso réu, confesso fauno,
No vinho das delícias me declaro
Sem culpa e sem pecado original
Pois nessa pena sou igual a tantos.

Já disse certa vez em cantoria:
De nada me arrependo e reconfirmo
Agora que o meu tempo é só de gozo.

A vida que me dou não dá guarida
Nem guarda desalentos de tristeza
Somente na alegria é que me morro.