Nossa Língua
para o poeta Antoniel Campos*
O doce som de mel que sai da boca
na língua da saudade e do crepúsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiúsculos.É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu músculo
na hora que é preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opúsculo.Dizer e maldizer do mel ao fel
é fado de cantigas tão antigas
desde Camões, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abrigana língua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que não se cala.* “filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra língua a minha língua cale.”
Sonetos sobre Portugueses
10 resultadosAos Mesmos
De insípida sessão no inútil dia
Juntou-se do Parnaso a galegage;
Em frase hirsuta, em gótica linguage,
Belmiro um ditirambo principia.Taful que o português não lhe entendia,
Nem ao resto da cômica salsage,
Saca o soneto que lhe fez Bocage,
E conheceu-se nele a Academia.Dos sócios o pior silvou qual cobra,
Desatou-se em trovões, desfez-se em raios,
Dando ao triste Bocage o que lhe sobra.Fez na calúnia vil cruéis ensaios,
E jaz com grandes créditos a obra
Entre mãos de marujos e lacaios.
O Teu Olhar
Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,Mares onde não cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de heróis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!
Auto-Retrato
Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.
Marília De Dirceu
Soneto 13
Quando o torcido buço derramava
Terror no aspecto ao português sisudo,
Quando, sem pó nem óleo, o pente agudo,
Duro, intonso, o cabelo em laço atava.Quando contra os irmãos o braço armava
O forte Nuno, apondo escudo a escudo:
Quando a palavra, que prefere a tudo,
Com a barba arrancada João firmava.Quando a mulher à sombra do marido
Tremer se via; quando a lei prudente
Zela o sexo do civil ruído;Feliz então, então só inocente
Era de Luso o reino. Oh! bem perdido!
Ditosa condição, ditosa gente!
A Camões
Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,Não morrerá, sem poetas nem soldados,
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.
Música Brasileira
Tens, às vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadência, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.És samba e jongo, xiba e fado, cujos
Acordes são desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:E em nostalgias e paixões consistes,
Lasciva dor, beijo de três saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.
Dos Ilustres Antigos Que Deixaram
Dos ilustres antigos que deixaram
tal nome, que igualou fama à memória,
ficou por luz do tempo a larga história
dos feitos em que mais se assinalaram.Se se com cousas destes cotejaram
mil vossas, cada üa tão notória,
vencera a menor delas a mor glória
que eles em tantos anos alcançaram.A glória sua foi; ninguém lha tome.
Seguindo cada um vários caminhos,
estátuas levantando no seu Templo.Vós, honra portuguesa e dos Coutinhos,
ilustre Dom João, com melhor nome
a vós encheis de glória e a nós de exemplo.
Ilustre O Dino Ramo Dos Meneses
Ilustre o dino ramo dos Meneses,
aos quais o prudente e largo Céu
(que errar não sabe), em dote concedeu
rompesse os maométicos arneses;desprezando a Fortuna e seus reveses,
ide para onde o Fado vos moveu;
erguei flamas no Mar alto Eritreu,
e sereis nova luz aos Portugueses.Oprimi com tão firme e forte peito
o Pirata insolente, que se espante
e trema Taprobana e Gedrosia.Dai nova causa à cor do Arabo estreito:
assi que o roxo mar, daqui em diante,
o seja só co sangue de Turquia!
Auto-Retrato
O’Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada…)No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras milque são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse…