O Cão
O cão da caravana acoita sarnas
pelos pêlos tragados de suor
que encarnam carnaduras já de cor
na salteada costa descarnadaO cão da caravana esconde as armas
o fogo e a cinza dessa cauda cor-
rente ao dorso de estrelas apagadas
se acendem cimitarras para a dorAo relho e aos ossos pó entre mil noites
dita a desdita escrita: Maktub!
E o cão se assenta dócil para o açoiteMas lhe aguarda a tarefa de quem ladra
e exorcisa a baraka dos impuros
enquanto a vida caravana passa
Sonetos sobre Pó de Anibal Beça
3 resultadosPoeira (Para José Felix)
Do pó ao pólen posta-se o poema
na penumbra do parto antecipado.
Abre-se uma janela sem algema
presa somente do seu próprio fado.Areia e barro, sol com sua gema,
a gala clara do ovo, visgo dado
ao solo só de vértebras, seu tema
variado na avena: chão arado.O tropo, o trapo, as vestes: eis aí
a massa que caldeia essa bigorna
ensolando alimárias ao se de si.Nada é constante e tudo se transforma.
Eppur si muove em ánima no giz
escrito no vaivém se vai e torna.
E Havia A Via Estreita
(Para Alexei Bueno)
Aquém de mim há quem procure sombras
como quem cata a vida em folhas mortas.
Se não as acha, sobra-lhe do encontro
a coisa ida via estreita porta.Saber do pó que lambe esses escombros
a pouca luz que espouca e me transporta
é ser e ter em mim o Outro que escondo
que vive a deslizar por ruas tortas.Comigo sou, estou e ficarei
tecendo a tessitura que me esplende
na luz esparramada dessa grei.Se aquém de mim, alguém, que me vende
os olhos, saiba: a via já passei.
E o verso vem comigo e não se rende.