Sonetos sobre Pó de Anibal Beça

3 resultados
Sonetos de pó de Anibal Beça. Leia este e outros sonetos de Anibal Beça em Poetris.

O CĆ£o

O cão da caravana acoita sarnas
pelos pĆŖlos tragados de suor
que encarnam carnaduras jĆ” de cor
na salteada costa descarnada

O cão da caravana esconde as armas
o fogo e a cinza dessa cauda cor-
rente ao dorso de estrelas apagadas
se acendem cimitarras para a dor

Ao relho e aos ossos pó entre mil noites
dita a desdita escrita: Maktub!
E o cão se assenta dócil para o açoite

Mas lhe aguarda a tarefa de quem ladra
e exorcisa a baraka dos impuros
enquanto a vida caravana passa

Poeira (Para JosƩ Felix)

Do pó ao pólen posta-se o poema
na penumbra do parto antecipado.
Abre-se uma janela sem algema
presa somente do seu próprio fado.

Areia e barro, sol com sua gema,
a gala clara do ovo, visgo dado
ao solo só de vértebras, seu tema
variado na avena: chão arado.

O tropo, o trapo, as vestes: eis aĆ­
a massa que caldeia essa bigorna
ensolando alimƔrias ao se de si.

Nada Ć© constante e tudo se transforma.
Eppur si muove em Ɣnima no giz
escrito no vaivƩm se vai e torna.

E Havia A Via Estreita

(Para Alexei Bueno)

AquƩm de mim hƔ quem procure sombras
como quem cata a vida em folhas mortas.
Se não as acha, sobra-lhe do encontro
a coisa ida via estreita porta.

Saber do pó que lambe esses escombros
a pouca luz que espouca e me transporta
Ć© ser e ter em mim o Outro que escondo
que vive a deslizar por ruas tortas.

Comigo sou, estou e ficarei
tecendo a tessitura que me esplende
na luz esparramada dessa grei.

Se aquƩm de mim, alguƩm, que me vende
os olhos, saiba: a via jĆ” passei.
E o verso vem comigo e não se rende.