Para a Minha Mulher
Desde que a Maria João casou (oficialmente) comigo há treze anos, damos por nós a casarmo-nos um com o outro, voluntária ou involuntariamente, várias vezes por dia.
Vou contar só uma. Esta semana, quando voltávamos da praia, a Maria João estava a pentear-se e deu-me uns cabelos soltos para eu deitar pela janela do carro. Tive ciúmes que alguém pudesse apanhar os lindos cabelos dela e disse-lhe. Dei-lhes um beijinho e atirei-os ao vento. E a Maria João disse: «Agora tenho eu ciúmes que alguém apanhe o cabelo com beijinhos teus».Casámos um com o outro nesse momento. Já tínhamos casado cinco vezes na praia. Casar é o que acontece quando duas pessoas descobrem que, por estarem a fazer ou terem feito uma coisa grande ou pequena, são as duas únicas pessoas no mundo. Todas as outras pessoas não podem fazer parte daquele prazer. Aquele prazer só é possível para duas pessoas concretas: ela e eu.
À nossa volta casavam-se muitas outras pessoas, casando-se mais por nós estarmos de fora, juntamente com todas as outras. Às vezes somos nós os espectadores. Vemos outras pessoas a casarem-se: um homem a rir-se leva uma mulher a rir-se nos braços pelo mar adentro e não a deixa cair até ela pedir.
Citações sobre Janelas
284 resultadosUma Cidade
Uma cidade pode ser
apenas um rio, uma torre, uma rua
com varandas de sal e gerânios
de espuma. Pode
ser um cacho
de uvas numa garrafa, uma bandeira
azul e branca, um cavalo
de crinas de algodão, esporas
de água e flancos
de granito.
Uma cidade
pode ser o nome
dum país, dum cais, um porto, um barco
de andorinhas e gaivotas
ancoradas
na areia. E pode
ser
um arco-íris à janela, um manjerico
de sol, um beijo
de magnólias
ao crepúsculo, um balão
acesonuma noite
de junho.Uma cidade pode ser
um coração,
um punho.
Prosema I
Com a devida vénia me reparto junto do tampo de mármore meu secretário tão certo. Desde quando deixara eu de ouvir esta palavra? Logrei substituí-la numa manhã óptima mas não esta em que a mola salta reprimida sabe-se lá donde, algures na hipófise.
Na confraria dos reclusos outras quimeras se aventam como Sol, Mãe, Amada, até que o tempo nosso inimigo se distancie e nos abandone por instantes. Na laje já sobre a qual o papel branco me obedece sem que o habitem outros sinais, pequeninos veios avolumam-se em áreas mais densas, configurando pássaros de porcelana chinesa. Afundo-me neste fundo para descobrir-lhes um sentido, branco, amarelo, de novo branco, cada centímetro um fuso de seres minúsculos, buscando reorganizar-se, perder-se, reagrupar-se.
De anacoreta nada tenho, só de multidões entre Cacilhas, Piedade e o Barreiro. E Campo de Ourique, que digo! A minha mão move-se, o pensamento pára, descubro as uvas pendentes como se fora Verão e o Sol ferisse como se o olhara de frente. Nem o ruído dos pássaros habituais junto à janela nos veio dar os bons dias, o funcionário impreterível virá à hora impreterível. Muito longe fora de portas um galo ou a sua ausência. Tenho uma toalha,
Olhos de Lobas
Teus olhos lembram círios
Acesos n’um cemitério…Têm um fulgor estranho singular
Os teus olhos febris… Incendiados!…Como os Clarões Finais… – Exaustinados
Dos restos dos archotes, desdeixados…
— Nas criptas d’um Jazigo Tumular!…— Como a Luz que na Noute Misteriosa
— Fantástica – Fulgisse nas Ogivas
Das Janelas de Estranho Mausoléu!…— Mausoléu, das Saudades do Ideal!…
— Oh Saudades… Oh Luz Transcendental!
— Oh memórias saudosas do Ido ao Céu!…— Oh Pérpetuas Febris!… – Oh Sempre Vivas!…
— Oh Luz do Olhar das Lobas Amorosas!…
quando a ternura for a única regra da manhã
um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o princípio de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade.
Tudo é fantasia, a família, o escritório, os amigos, a rua, tudo fantasia, mais longe ou mais perto, a mulher; mas a verdade que está mais perto é só esta, é bater com a cabeça na parede de uma cela sem janelas e sem portas.
O Sol Da Tarde
Aquela tarde em que eu estava em Roma,
aquela tarde com sol da manhã,
como ser só a tarde, se era a soma
do sol filtrado pela telha vã?Assim são sob o sol todas as tardes:
são clarões e janelas, são aromas,
e o silêncio que cala o vão alarde
da tarde que se estende sobre Roma.Sob o sol que declina, aqui estou
esperando que a noite caia em Roma
como um pálio que oculta o nada e a morte.Roma dos obeliscos e sarcófagos!
Depois de tanto sol e tanto vento
a noite desce e eu sou a noite e pó.
Lisboa perto e longe
Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios sentinelas.
E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa – branca e rota
a blusa de seu povo – essa gaivota.Lisboa tem casernas catedrais
museus cadeias donos muito velhos
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.Lisboa tem o sol crucificado
nas armas que em Lisboa estão voltadas
contra as mãos desarmadas – povo armado
de vento revoltado violas astros
– meu povo que ninguém verá de rastos.Lisboa tem o Tejo tem veleiros
e dentro das prisões tem velas rios
dentro das mãos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros – mar aberto
– com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.Lisba é uma palavra dolorosa
Lisboa são seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.Lisboa tem um cravo em cada mão
tem camisas que abril desabotoa
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguem verá de joelhos.
Uma das trágicas coisas que eu percebo na natureza humana é que todos nós tendemos a adiar o viver. Estamos todos sonhando com um mágico jardim de rosas no horizonte, ao invés de desfrutar das rosas que estão florescendo do lado de fora de nossas janelas hoje.
Essa Que Eu Hei De Amar…
Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.E quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…E falou-me de longe: “Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!”
Nós todos somos turistas, algum dia. Mesmo o mais pobrezinho um dia toma um ônibus e vai para o interior, visitar uma avó; […] Quem é que não precisa de contato com a natureza, um banho de cachoeira, um castelo na areia, uma caminhada nas matas, olhar as vaquinhas no pasto, sentir o vento debaixo de um coqueiral, tomar uma cervejinha com os pés nas águas frias do maceió? […] Quebrar a rotina, ver novas paisagens, novos comportamentos, esquecer os problemas, as regras, o frio, a neve, a parede da própria casa, a janela que dá para outra janela, o cimento diante de cimento…
O Papel do Desporto
Quem duvida que o desporto é uma janela importantíssima para a propagação do jogo limpo e da justiça? No fim de contas, o jogo limpo é um valor essencial no desporto!
(…) A reconstrução e a reconciliação, a construção nacional e o desenvolvimento, devem andar de mãos dadas. Neste processo, o desporto é uma grande força de unidade e reconciliação.
(…) Embora vivamos num mundo em que o bem que existe nas pessoas geralmente impera, é triste que também existam os que exploram a magnanimidade e a honestidade. Temos, pois, de afirmar e celebrar constantemente as boas acções e as virtudes sociais. Neste contexto, o desporto desempenha hoje um papel preeminente na apresentação do que é bom e na exemplificação do que é saudável.
Dormindo
Pálida, bela, escultural, clorótica
Sobre o divã suavíssimo deitada,
Ela lembrava — a pálpebra cerrada —
Uma ilusão esplendida de ótica.A peregrina carnação das formas,
— o sensual e límpido contorno,
Tinham esse quê de avérnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…Ela dormia como a Vênus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!…
As Janelas da Memória
A memória humana não é lida globalmente, como a memória dos computadores, mas por áreas específicas a que chamo de janelas. Através das janelas vemos, reagimos, interpretamos… Quantas vezes tentamos lembrar-nos de algo que não nos vem à ideia? Nesse caso, a janela permaneceu fechada ou inacessível.
A janela da memória é, portanto, um território de leitura num determinado momento existencial. Em cada janela pode haver centenas ou milhares de informações e experiências. O maior desafio de uma mulher, e do ser humano em geral, é abrir o máximo de janelas em cada situação. Se ela abre diversas janelas, poderá dar respostas inteligentes. Se as fecha, poderá dar respostas inseguras, medíocres, estúpidas, agressivas. Somos mais instintivos e animalescos quando fechamos as janelas, e mais racionais quando as abrimos.
O mundo dos sentimentos possui as chaves para abrir as janelas. O medo, a tensão, a angústia, o pânico, a raiva e a inveja podem fechá-las. A tranquilidade, a serenidade, o prazer e a afetividade podem abri-las. A emoção pode fazer os intelectuais reagirem como crianças agressivas e as pessoas simples reagirem como elegantes seres humanos. Sob um foco de tensão, como perdas e contrariedades, uma mulher serena pode ficar irreconhecível.
Spleen
Fora, na vasta noute, um vento de procela
Erra, aos saltos, uivando, em rajadas e em fúria;
E num rumor de choro, uma voz de lamúria,
Ouço a chuva a escorrer nos vidros da janela.No desconforto do meu quarto de estudante,
Velo. Sinto-me como insulado da vida.
Eu imagino a morte assim, aborrecida
Solidão numa sombra infinita e constante…Tu, que és forte, rebrame em fúria, natureza!
Eu, caído num fundo abismo de tristeza,
Invejo-te a expansão livre do temporal;E, no tédio feroz que me assalta e me toma,
Sinto ansiarem-me n’alma instintos de chacal…
E compreendo Nero incendiando Roma.
A Rua Dos Cataventos – VI
Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola. . .Mas nesta rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.Ele trabalha silenciosamente. . .
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente. . .
Um Autêntico Sonho de Amor
Orgulho, vaidade, despeito, rancor, tudo passa, se verdadeiramente o homem tem dentro de si um autêntico sonho de amor. Essas pequenas misérias são fatais apenas no começo, na puberdade, quando se olha uma janela e se desflora quem está lá dentro. Depois, não. Depois, sofre-se é pelo homem, é pela estupidez colectiva, é por não se poder continuar alegremente num mundo povoado, e se desejar um deserto de asceta. O ascetismo é a desumanização, é o adeus à vida, e é duro ser uma espécie de fantasma da cultura cercado de areias.
Eu Nunca Guardei Rebanhos
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
Tenho medo que os meus filhos nunca cheguem a entender aquilo que lhes conto quando ficamos em silêncio, quando o tempo passa e estamos juntos, no mesmo lugar, eu a conduzir em viagens longas com horizonte e eles, ao meu lado, a olharem pela janela, ou quando é fim da tarde, também com horizonte, em silêncio.
Viajar, num sentido profundo, é morrer. É deixar de ser manjerico à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em cansaço, em movimento, pelo mundo além.