Passagens sobre Fogo

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Frases sobre fogo, poemas sobre fogo e outras passagens sobre fogo para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

O Amor em Visita

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,

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Visão Dezasseis

Deixando nele marcas como se estivesse dentro
de um círculo de fogo. Ou como um assassino
emparedado na cal a quem lançassem musgo
até à morte. Há ali um espaço solto, o sítio onde
os pássaros devoram os peixes. E uma zona escura
com um manto redondo tapando a luz, uma espécie
de cegueira em cujo centro existe um castanheiro
e uma caixa vazia. Um papel voa, desliza junto
a um muro e é daí que a música se espalha presa a
um fio de cobre. É nesse momento que a imagem
dela se forma e se despedaça. O seu corpo
é agora o vento.

Quantas Vezes a Insónia é um Dom

Mas quantas vezes a insónia é um dom. De repente acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum ruído. Só o das ondas do mar batendo na praia. E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e rico. E o telefone mudo, sem aquele toque súbito que sobressalta. Depois vai amanhecendo. As nuvens se clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o sol é meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por tudo. Até que, como o sol subindo, a casa vai acordando e há o reencontro com meus filhos sonolentos.

Falavam-me de Amor

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

Nunca Confiar Demais

Nenhum homem acredita piamente em nenhum outro homem. Pode-se acreditar piamente numa ideia, mas não num homem. No mais alto grau de confiança que ele pode despertar, haverá sempre o aroma da dúvida – uma sensação meio instintiva e meio lógica de que, no fim das contas, o vigarista deve ter um ás escondido na manga. Esta dúvida, como parece óbvio, é sempre mais do que justificada, porque ainda não nasceu o homem merecedor de confiança ilimitada – a sua traição, no máximo, espera apenas por uma tentação suficiente. O problema do mundo não é o de que os homens sejam muito suspeitos neste sentido, mas o de que tendem a ser confiantes demais – e de que ainda confiam demais em outros homens, mesmo depois de amargas experiências. Acredito que as mulheres sejam sabiamente menos sentimentais, tanto nisto como em outras coisas. Nenhuma mulher casada põe a mão no fogo por seu marido, nem age com se confiasse nele. A sua principal certeza assemelha-se à de um batedor de carteiras: a de que o guarda que o apanhou poderá ser subornado.

Respiro e Vejo

Respiro e vejo. A noite e cada sol
vão rompendo de mim a todo o instante,
tarde e manhã que são tecido tempo,
chuva e colheita. O céu, repouso e vento.

Vergel de aves. Vou entre viveiros,
a caçar com o olhar, passarinhagem
dos pequeninos sóis e das estrelas
que emigram neste céu de goiabeiras.

mas sigo a jardinagem, podo o tempo,
o desgosto do espaço, a sombra e o fogo,
as florações da luz e da cegueira.

E, no dia, suspensa cachoeira,
neste jogo sagrado, vivo e vejo
o que veio em meus olhos desenhado.

Se tem uma coisa que detesto nesse mundo são as festas obrigatórias em que as pessoas choram porque estão alegres, os fogos de artifício, as musiquinhas chochas, as grinaldas de papel de seda que não têm nada a ver com um menino que nasceu há dois mil anos num estábulo indigente.

Rajada

Abram-se as portas do inferno
para o meu amor!
Rasgue-se a terra num rugido eterno
para solver a minha dor!…

Trágica cavalgada
do meu pensamento!
Tu andas batalhando o meu tormento
Num rumor de maldição!

Oh rajada infernal!
leva-me o coração,
onde vibra a agonia do meu mal…

E se amarrada à minha cruz de fogo,
nesta ânsia rubra, eu não vencer a Dor,
dispersa seja a queixa do meu rogo!
– E que o vento e as ondas,
a fiquem gritando
num eterno clamor!…

Cromo

andamos pelo mundo
experimentando a morte
dos brancos cabelos das palavras
atravessamos a vida com o nome do medo
e o consolo dalgum vinho que nos sustém
a urgência de escrever
não se sabe para quem

o fogo a seiva das plantas eivada de astros
a vida policopiada e distribuída assim
através da língua… gratuitamente
o amargo sabor deste país contaminado
as manchas de tinta na boca ferida dos tigres de papel

enquanto durmo à velocidade dos pipelines
esboço cromos para uma colecção de sonhos lunares
e ao acordar… a incoerente cidade odeia
quem deveria amar

o tempo escoa-se na música silente deste mar
ah meu amigo… como invejo essa tarde de fogo
em que apetecia morrer e voltar

Não Sei Meu Amor

Não sei
meu amor
porque a memória
se fecha
quando do abismo da vida
já tombaram os meus olhos
na aridez da esperança.

Não sei
meu amor
porque a memória
chora, oculta
se ninguém a viu nascer.

Entretanto
de teus olhos, águias de fogo,
vem um reino eterno,
de calor e significado
claro e sem segredos.

Fecho os meus
e volta a dor
na cruzada
a trazer-me teus olhos
num espaço sem fronteira
na vertigem de teu corpo.

Todo o meu desejo pressente
que da lembrança recomeça
o regresso da tua criação
dessa tarde emocionada
que me trouxe à vida
tua vida transfigurada.

A Chama da Vida e o Fogo das Paixões

Nem sempre estar apaixonado é bom. A maior parte das paixões tomam conta da vontade e assumem o controlo do sentir e do pensar. Prometem a maior das libertações, mas escravizam quem desiste de si mesmo e a elas se submete.

A paixão é sofrimento, um furor que é o oposto da paz e do contentamento. Um vazio fulminante capaz das maiores acrobacias para se satisfazer. Mas que, como nunca se sacia, acaba por se consumir, por se destruir a si mesmo. Para ter paz precisamos de fazer esta guerra, na conquista do mais exigente de todos os equilíbrios: entre a monotonia de nada arriscar e a imprudência de entregar tudo sem uma vontade própria profunda. É essencial que saibamos desafiarmo-nos, por vezes, a um profundo desequilíbrio momentâneo. Afinal, quem nunca ousa está perdido, para sempre.
Há boas paixões. São as que trabalham como um fermento. De forma pacata, pacífica e paciente. Animam, mas não dominam. Orientam, mas não decidem. Iluminam, mas não cegam.

Quase ninguém faz ideia da capacidade que cada um de nós tem para suportar e vencer grandes sofrimentos…

Por paixões comuns, há quem perca a cabeça, o coração e a alma.

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Primavera

Ah! quem nos dera que isto, como outrora,
Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
Que inda juntos pudéssemos agora
Ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora.
E, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
Sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
“Beijemo-nos! amemo-nos! espera!”

E esse corpo de rosa recendia,
E aos meus beijos de fogo palpitava,
Alquebrado de amor e de cansaço.

A alma da terra gorjeava e ria…
Nascia a primavera… E eu te levava,
Primavera de carne, pelo braço!

Tu Vinhas

Não me fizeste sofrer
mas esperar.

Naquelas horas
emaranhadas, cheias
de serpentes,
quando
a alma me caía e eu me afogava,
tu vinhas-te aproximando,
tu vinhas nua e arranhada,
tu chegavas ensanguentada ao meu leito,
noiva minha,
e então
caminhávamos toda a noite dormindo
e, quando acordávamos,
estavas intacta e nova,
como se o vento grave dos sonhos
acendesse de novo
o fogo da tua cabeleira
e em trigo e prata submergisse
teu corpo até torná-lo deslumbrante.

Eu não sofri, meu amor,
esperava-te apenas.
Tu precisavas de mudar de coração
e de olhar
depois de tocares a profunda
zona do mar que meu peito te entregou.
Precisavas de sair da água
pura como uma gota erguida
por uma onda nocturna.

Noiva minha, tu precisaste
de morrer e de nascer, eu esperava-te.
Não sofri a procurar-te,
sabia que virias,
mas outra, com o que adoro
da mulher que não adorava,
com teus olhos, tuas mãos e tua boca,
mas com outro coração,

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Não podemos arrancar uma página do livro da nossa vida, mas podemos atirar o livro todo para o fogo.

Desde Sempre em Mim

Contente. Contente do instante
Da ressurreição, das insônias heróicas

Contente da assombrada canção
Que no meu peito agora se entrelaça.
Sabes? O fogo iluminou a casa.
E sobre a claridade do capim
Um expandir-se de asa, um trinado

Uma garganta aguda, vitoriosa.

Desde sempre em mim. Desde
Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo
Nas ermas biografias, neste adro solar
No meu mudo momento
Desde sempre, amor, redescoberto em mim.

A Mata Virgem, Desgrenhada Aos Ventos

A mata virgem, desgrenhada aos ventos,
Eleva à noite a alma complexa e vária;
Do musgo humilde às grimpas da araucária
Há, talvez, gritos, há talvez, lamentos.

Olhos presos na sombra, a passos lentos
Passeando na varanda solitária,
Apraz-me àquela orquestra tumultuária
A sós ouvir os rudes sons violentos.

Ó noite, como que raivando, levas
Com o teu meu coração por essas trevas!
O teu – cólera, o meu – doce reclamo;

Ambos, ao fogo atroz que têm no seio,
O teu bramindo: – O ódio eu sou, e odeio!
O meu chorando: – Eu sou o Amor, eu amo!

Por mais dura que seja uma natureza, ela se fundirá ao fogo do Amor. Senão se fundir, é porque o fogo não é bastante forte.