Sonetos sobre FĂ© de Antero de Quental

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Sonetos de fé de Antero de Quental. Leia este e outros sonetos de Antero de Quental em Poetris.

ComunhĂŁo

Reprimirei meu pranto!… Considera
Quantos, minh’alma, antes de nĂłs vagaram,
Quantos as mĂŁos incertas levantaram
Sob este mesmo cĂ©u de luz austera!…

— Luz morta! amarga a própria primavera! —
Mas seus pacientes corações lutaram,
Crentes sĂł por instinto, e se apoiaram
Na obscura e herĂłica fĂ©, que os retempera…

E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende á lei de ignotas multidões. —
Seguirei meu caminho confiado,

Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhĂŁo dos nossos pais antigos.

NĂŁo me Fales de GlĂłria: Ă© Outro o Altar

NĂŁo me fales de glĂłria: Ă© outro o altar
Onde queimo piedoso o meu incenso,
E animado de fogo mais intenso,
De fé mais viva, vou sacrificar.

A glĂłria! pois que ha n’ela que adorar?
Fumo, que sobre o abysmo anda suspenso…
Que vislumbre nos dá do amor immenso?
Esse amor que ventura faz gosar?

Ha outro mais perfeito, unico eterno,
Farol sobre ondas tormentosas firme,
De immoto brilho, poderoso e terno…

SĂł esse hei-de buscar, e confundir-me
Na essencia do amor puro, sempiterno…
Quero sĂł n’esse fogo consumir-me!

Despondency

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
Ă€ morte queda, Ă  morte silenciosa…

Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a Ăşltima esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!

A JoĂŁo De Deus

Se Ă© lei, que rege o escuro pensamento,
Ser vĂŁ toda a pesquisa da verdade,
Em vez da luz achar a escuridade,
Ser uma queda nova cada invento;

É lei também, embora cru tormento,
Buscar, sempre buscar a claridade,
E sĂł ter como certa realidade
O que nos mostra claro o entendimento.

O que há de a alma escolher, em tanto engano?
Se uma hora crê de fé, logo duvida;
Se procura, sĂł acha… o desatino!

SĂł Deus pode acudir em tanto dano:
Esperemos a luz duma outra vida,
Seja a terra degrêdo, o céu destino.

O Convertido

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na FĂ© o pensamento,
E achei a paz na inĂ©rcia e esquecimento…
SĂł me falta saber se Deus existe!