Sonetos sobre Longe de Cruz e Souza

10 resultados
Sonetos de longe de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Requiescat

Grande, grande Ilusão morta no espaço,
Perdida nos abismos da memĂłria,
Dorme tranqĂŒila no esplendor da glĂłria,
Longe das amarguras do cansaço…

IlusĂŁo, Flor do sol, do morno e lasso
Sonho da noite tropical e flĂłrea,
Quando as visÔes da névoa transitória
Penetram na alma, num lascivo abraço…

Ó Ilusão! Estranha caravana
de åguias, soberbas, de cabeça ufana,
De asas abertas no clarĂŁo do Oriente.

Não me persiga o teu mistério enorme!
Pelas saudades que me aterram, dorme,
Dorme nos astros infinitamente…

Sem Esperança

Ó cñndidos fantasmas da Esperança,
Meigos espectros do meu vĂŁo Destino,
Volvei a mim nas leves ondas do Hino
Sacramental de Bem-aventurança.

Nas veredas da vida a alma nĂŁo cansa
De vos buscar pelo Vergel divino
Do céu sempre estrelado e diamantino
Onde toda a alma no PerdĂŁo descansa.

Na volĂșpia da dor que me transporta,
Que este meu ser transfunde nos Espaços,
Sinto-te longe, ó Esperança morta.

E em vĂŁo alongo os vacilantes passos
À procura febril da tua porta,
Da ventura celeste dos teus braços.

Luar

Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tĂ­midas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.

Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
VĂŁo penumbrando as coisas cristalinas.

Rasga o silĂȘncio a nota chĂŁ, plangente,
Da Ave-Maria, — e entĂŁo, nervosamente,
Nuns inefĂĄveis, espontĂąneos jorros

Esbate o luar, de forma admirĂĄvel,
Claro, bondoso, elétrico, saudåvel,
Na curvilĂ­nea compridĂŁo dos mortos.

Vanda

Vanda! Vanda do amor, formosa Vanda,
MakuĂąma gentil, de aspecto triste,
Deixe que o coração que tu poluíste
Um dia, se abra e revivesça e expanda.

Nesse teu lĂĄbio sem calor onde anda
A sombra vĂŁ de amores que sentiste
Outrora, acende risos que nĂŁo viste
Nunca e as tristezas para longe manda.

Esquece a dor, a lĂșbrica serpente
Que, embora esmaguem-lhe a cabeça ardente,
Agita sempre a cauda venenosa.

Deixa pousar na seara dos teus dias
A caravana irial das alegrias
Como as abelhas pousam numa rosa.

Alma Ferida

Alma ferida pelas negra lanças
Da Desgraça, ferida do Destino,
Alma,[a] que as amarguras tecem o hino
Sombrio das cruéis desesperanças,

Não desças, Alma feita de heranças
Da Dor, não desças do teu céu divino.
Cintila como o espelho cristalino
Das sagradas, serenas esperanças.

Mesmo na Dor espera com clemĂȘncia
E sobe Ă  sideral resplandecĂȘncia,
Longe de um mundo que só tem peçonha.

Das ruĂ­nas de tudo ergue-te pura
E eternamente, na suprema Altura,
Suspira, sofre, cisma, sente, sonha!

Perante A Morte

Perante a Morte empalidece e treme,
Treme perante a Morte, empalidece.
Coroa-te de lĂĄgrimas, esquece
O Mal cruel que nos abismos geme.

Ah! longe o Inferno que flameja e freme,
Longe a PaizĂŁo que sĂł no horror floresce…
A alma precisa de silĂȘncio e prece,
Pois na prece e silĂȘncio nada teme.

SilĂȘncio e prece no fatal segredo,
Perante o pasmo do sombrio medo
Da morte e os seus aspectos reverentes…

SilĂȘncio para o desespero insano,
O furor gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os dentes!

Gloriosa

A AraĂșjo Figueredo

Pomba! dos céus me dizes que vieste,
Toda c’roada de astros e de rosas,
Mas hå regiÔes mais que essas luminosas.
NĂŁo, tu nĂŁo vens da regiĂŁo celeste

HĂĄ um outro esplendor em tua veste,
Uma outra luz nas tranças primorosas,
Outra harmonia em teu olhar — maviosas
Cousas em ti que tu nunca tiveste.

Não, tu não vens das célicas planuras,
Do Éden que ri e canta nas alturas
Como essa voz que dos teus lĂĄbios tomba.

Vens de mais longe, vens doutras paragens,
Vens doutros céus de místicas celagens,
Sim, vens de sĂłis e das auroras, pomba.

Pacto Das Almas (II) Longe De Tudo

É livre, livre desta vĂŁ matĂ©ria,
Longe, nos claros astros peregrinos
Que havereemos de encontrar os dons divinos
E a grande paz, a grande paz sidérea.

Cå nesta humana e trågica miséria,
Nestes surdos abismos assassinos
Termos de colher de atros destinos
A flor apodrecida e deletéria.

O baixo mundo que troveja e brama
SĂł nos mostra a caveira e sĂł a lama,
Ah! sĂł a lama e movimentos lassos…

Mas as almas irmĂŁs, almas perfeitas,
Hão de trocar, nas RegiÔes eleitas,
Largos, profundos, imortais abraços!

PlangĂȘncia Da Tarde

Quando do campo as prĂłfugas ovelhas
Voltam a tarde, lépidas, balando
Com elas o pastor volta cantando
E fulge o ocaso em convulsÔes vermelhas.

Nos beirados das casas, sobre as telhas
Das andorinhas esvoaça o bando…
E o mar, tranqĂŒilo, fica cintilando
Do sol que morre as Ășltimas centelhas.

O azul dos montes vago na distĂąncia…
No bosque, no ar, a cĂąndida fragrĂąncia
Dos aromas vitais que a tarde exala.

Às vezes, longe, solta, na esplanada,
A ovelha errante, tonta e desgarrada,
Perdida e triste pelos ermos bala …

Sempre E Sempre

De longe ou perto, juntas, separadas,
Olhando sempre os mesmos horizontes,
Presas, unidas nossas duas fontes
GĂȘmeas, ardentes, novas, inspiradas;

Vendo cair as lĂĄgrimas prateadas,
Sentindo o coro harmĂŽnico das fontes,
Sempre fitando a cĂșspide dos montes
E o rosicler das frescas alvoradas;

Sempre embebendo os lĂ­mpidos olhares
Na claridĂŁo dos humildes luares,
No loiro sol das crenças se embebendo,

VĂŁo nossas almas brancas e floridas
Pelo futuro azul das nossas vidas,
Sempre se amando, sempre se querendo.