Sonetos sobre Loucos de Cruz e Souza

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Sonetos de loucos de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Presa Do Ódio

Da tu’alma na funda galeria
Descendo às vezes, eu às vezes sinto
Que como o mais feroz lobo faminto
Teu ódio baixo de alcatéia espia.

Do Desespero a noite cava e fria,
De boêmias vis o pérfido absinto
Pôs no teu ser um negro labirinto,
Desencadeou sinistra ventania.

Desencadeou a ventania rouca,
surda, tremenda, desvairada, louca,
Que a tu’alma abalou de lado a lado.

Que te inflamou de cóleras supremas
e deixou-te nas trágicas algemas
Do teu ódio sangrento acorrentado!

Sensibilidade

Como os audazes, ruivos argonautas,
Intrépidos, viris e corajosos
Que voltam dos orientes fantasiosos,
Dos países de Núbios e Aranautas.

Como esses bravos, que por naus incautas,
Regressam dos oceanos borrascosos,
Indo encontrar nos lares harmoniosos
De luz, vinho e alegria as mesas lautas.

Tal o meu coração, quando aparece
A tua imagem, canta e resplandece,
Sem lutas, sem paixões, livre de abrolhos.

A meu pesar, louco de ver-te, louco,
As lágrimas me correm pouco a pouco,
Como o champanhe virginal dos olhos…

Glórias Antigas

Rubras como gauleses arruivados,
Voltam da guerra as hostes triunfantes,
Trazem nas lanças d’aço lampejantes,
Os louros das batalhas pendurados.

Os escudos e arneses dos soldados
Rutilam como lascas de diamantes
E na armadura os músculos vibrantes,
Rijos, palpitam, batem nervurados.

Dentre estandartes, flâmulas de cores,
Trazem dos olhos rufos de tambores,
Ruídos de alegria estranha e louca.

Chegam por fim, à pátria vitoriosa…
E então, da ardente glória belicosa,
Há um grito vermelho em cada boca!

Os Dois

Aos pobres

— Minha mãe, minha mãe, quanta grandeza
Nesses plácidos, quanta majestade;
Como essa gente há de viver, como há de
Ser grande sempre na feliz riqueza.

Nem uma lágrima sequer — e à mesa
D’entre as baixelas, d’entre a imensidade
Da prata e do ouro — a azul felicidade
Dos bons manjares de ótima surpresa.

Nem um instante os olhos rasos d’água,
Nem a ligeira oscilação da mágoa
Na vida farta de prazer, sonora.

— Como o teu louco pensamento expandes
Filho — a ventura não é só dos grandes
Porque, olha, o mar também é grande e… chore!

O Assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu’alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas etrenas, pouco a pouco…

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

Coração Confiante

O coração que sente vai sozinho,
Arrebatado, sem pavor, sem medo…
Leva dentro de si raro segredo
Que lhe serve de guia no Caminho.

Vai no alvoroço, no celeste vinho
Da luz os bosques acordando cedo,
Quando de cada trêmulo arvoredo
Parte o sonoro e matinal carinho.

E o Coração vai nobre e vai confiante,
Festivo como a flâmula radiante
Agitada bizarra pelos ventos…

Vai palpitando, ardente, emocionado
O velho Coração arrebatado,
Prerso por loucos arrebatamentos!