Sonetos sobre Luz de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de luz de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

XXVII

Apressa se a tocar o caminhante
O pouso, que lhe marca a luz do dia;
E da sua esperança se confia,
Que chegue a entrar no porto o navegante;

Nem aquele sem termo passa avante
Na longa, duvidosa e incerta via;
Nem este atravessando a regiĂŁo fria
Vai levando sem rumo o curso errante:

Depois que um breve tempo houver passado,
Um se verá sobre a segura areia,
Chegará o outro ao sítio desejado:

Eu sĂł, tendo de penas a alma cheia,
NĂŁo tenho, que esperar; que o meu cuidado
Faz, que gire sem norte a minha idéia.

LXXII

Já rompe, Nise, a matutina aurora
O negro manto, com que a noite escura,
Sufocando do Sol a face pura,
Tinha escondido a chama brilhadora.

Que alegre, que suave, que sonora,
Aquela fontezinha aqui murmura!
E nestes campos cheios de verdura
Que avultado o prazer tanto melhora!

SĂł minha alma em fatal melancolia,
Por te nĂŁo poder ver, Nise adorada,
NĂŁo sabe inda, que coisa Ă© alegria;

E a suavidade do prazer trocada,
Tanto mais aborrece a luz do dia,
Quanto a sombra da noite lhe agrada.

LXVIII

Apenas rebentava no oriente
A clara luz da aurora, quando Fido,
O repouso deixando aborrecido,
Se punha a contemplar no mal, que sente.

VĂŞ a nuvem, que foge ao transparente
AnĂşncio do crepĂşsculo luzido;
E vĂŞ de todo em riso convertido
O horror, que dissipara o raio ardente.

Por que (diz) esta sorte, que se alcança
Entre a sombra, e a luz, nĂŁo sinto agora
No mal, que me atormenta, e que me cansa?

Aqui toda a tristeza se melhora:
Mas eu sem o prazer de uma esperança
Passo o ano, e o mĂŞs, o dia, a hora.

LXXVII

Não há no mundo fé, não há lealdade;
Tudo é, ó Fábio, torpe hipocrisia;
Fingido trato, infame aleivosia
Rodeiam sempre a cândida amizade.

Veste o engano o aspecto da verdade;
Porque melhor o vĂ­cio se avalia:
Porém do tempo a mísera porfia,
Duro fiscal, lhe mostra a falsidade.

Se talvez descobrir-se se procura
Esta de amor fantástica aparência,
É como à luz do Sol a sombra escura:

Mas que muito, se mostra a experiĂŞncia,
Que da amizade a torre mais segura
Tem a base maior na dependĂŞncia!

LVIII

Altas serras, que ao CĂ©u estais servindo
De muralhas, que o tempo nĂŁo profana,
Se Gigantes nĂŁo sois, que a forma humana
Em duras penhas foram confundindo?

lá sobre o vosso cume se está rindo
O Monarca da luz, que esta alma engana;
Pois na face, que ostenta, soberana,
O rosto de meu bem me vai fingindo.

Que alegre, que mimoso, que brilhante
Ele se me afigura! Ah qual efeito
Em minha alma se sente neste instante!

Mas ai! a que delĂ­rios me sujeito!
Se quando no Sol vejo o seu semblante,
Em vĂłs descubro Ăł penhas o seu peito?