Sonetos sobre Mortais de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de mortais de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

XXII

Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o prĂłprio medo
Do feio assombro a hĂłrrida figura;

Aqui, onde nĂŁo geme, nem murmura
ZĂ©firo brando em fĂşnebre arvoredo,
Sentado sabre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.

As lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cĂłpia derretida:

A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.

LV

Em profundo silêncio já descansa
Todo o mortal; e a minha triste idéia
Se estende, se dilata, se recreia
Pelo espaçoso campo da lembrança.

Fatiga-se, prossegue, em vĂŁo se cansa;
E neste vário giro, em que se enleia,
Ao duvidoso passo já receia,
Que lhe possa faltar a segurança.

Que diferente tudo está notando!
Que perplexo as imagens do perdido
Num e noutro despojo vem achando!

Este nĂŁo Ă© o templo (eu o duvido)
Assim o afirma, assim o está mostrando:
Ou morreu Nise, ou este nĂŁo Ă© Fido.

XLIV

Há quem confie, Amor, na segurança
De um falsĂ­ssimo bem, com que dourando
O veneno mortal, vás enganando
Os tristes corações numa esperança!

Há quem ponha inda cego a confiança
Em teu fingido obséquio, que tomando
Lições de desengano, não vá dando
Pelo mundo certeza da mudança!

Há quem creia, que pode haver firmeza
Em peito feminil, quem advertido
Os cultos nĂŁo profane da beleza!

Há inda, e há de haver, eu não duvido,
Enquanto nĂŁo mudar a Natureza
Em Nise a formosura, o amor em Fido.

XVI

Toda a mortal fadiga adormecia
No silĂŞncio, que a noite convidava;
Nada o sono suavĂ­ssimo alterava
Na muda confusĂŁo da sombra fria:

SĂł Fido, que de amor por Lise ardia,
No sossego maior nĂŁo repousava;
Sentindo o mal, com lágrimas culpava
A sorte; porque dela se partia.

VĂŞ Fido, que o seu bem lhe nega a sorte;
Querer enternecĂŞ-na Ă© inĂştil arte;
Fazer o que ela quer, Ă© rigor forte:

Mas de modo entre as penas se reparte;
Que Ă  Lise rende a alma, a vida Ă  morte:
Por que uma parte alente a outra parte.

LI

Adeus, Ă­dolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitĂłria mĂ­sera publica,
Que tens barbaramente conseguido.

Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.

E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;

Na imensa confusĂŁo de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vĂ­tima de uma alma em teus altares.

XXXI

Estes os olhos sĂŁo da minha amada:
Que belos, que gentis, e que formosos!
NĂŁo sĂŁo para os mortais tĂŁo preciosos
Os doces frutos da estação dourada.

Por eles a alegria derramada,
Tornam-se os campos de prazer gostosos;
Em zéfiros suaves, e mimosos
Toda esta regiĂŁo se vĂŞ banhada;

Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo
Do rosto de meu bem as prendas belas,
Dai alĂ­vios ao mal, que estou gemendo:

Mas ah delĂ­rio meu, que me atropelas!
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.