XXII
Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura;Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sabre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.As lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cópia derretida:A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.
Sonetos sobre Desventuras de Cláudio Manuel da Costa
9 resultadosL
Memórias do presente, e do passado
Fazem guerra cruel dentro em meu peito;
E bem que ao sofrimento ando já feito,
Mais que nunca desperta hoje o cuidado.Que diferente, que diverso estado
É este, em que somente o triste efeito
Da pena, a que meu mal me tem sujeito,
Me acompanha entre aflito, e magoado!Tristes lembranças! e que em vão componho
A memória da vossa sombra escura!
Que néscio em vós a ponderar me ponho!Ide-vos; que em tão mísera loucura
Todo o passado bem tenho por sonho;
Só é certa a presente desventura.
XLV
A cada instante, Amor, a cada instante
No duvidoso mar de meu cuidado
Sinto de novo um mal, e desmaiado
Entrego aos ventos a esperança errante.Por entre a sombra fúnebre, e distante
Rompe o vulto do alivio mal formado;
Ora mais claramente debuxado,
Ora mais frágil, ora mais constante.Corre o desejo ao vê-lo descoberto;
Logo aos olhos mais longe se afigura,
O que se imaginava muito perto.Faz-se parcial da dita a desventura;
Porque nem permanece o dano certo,
Nem a glória tão pouco está segura
LIX
Lembrado estou, ó penhas, que algum dia,
Na muda solidão deste arvoredo,
Comuniquei convosco o meu segredo,
E apenas brando o zéfiro me ouvia.Com lágrimas meu peito enternecia
A dureza fatal deste rochedo,
E sobre ele uma tarde triste, e quêdo
A causa de meu mal eu escrevia.Agora torno a ver, se a pedra dura
Conserva ainda intacta essa memória,
Que debuxou então minha escultura.Que vejo! esta é a cifra: triste glória!
Para ser mais cruel a desventura,
Se fará imortal a minha história.
XIII
Nise ? Nise ? onde estás ? Aonde espera
Achar te uma alma, que por ti suspira,
Se quanto a vista se dilata, e gira,
Tanto mais de encontrar te desespera!Ah se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nise, cuido, que diz; mas é mentira.
Nise, cuidei que ouvia; e tal não era.Grutas, troncos, penhascos da espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai me a sua formosura.Nem ao menos o eco me responde!
Ah como é certa a minha desventura!
Nise ? Nise ? onde estás ? aonde ? aonde ?
LI
Adeus, ídolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitória mísera publica,
Que tens barbaramente conseguido.Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;Na imensa confusão de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vítima de uma alma em teus altares.
XXI
De um ramo desta faia pendurado
Veja o instrumento estar do pastor Fido;
Daquele, que entre os mais era aplaudido,
Se alguma vez nas selvas escutado.Ser eternamente consagrado
Um ai saudoso, um fúnebre gemido;
Enquanto for no monte repetido
O seu nome, o seu canto levantado.Se chegas a este sítio, e te persuade
A algum pesar a sua desventura,
Corresponde em afetos de piedade;Lembra te, caminhante, da ternura
De seu canto suave; e uma saudade
Por obséquio dedica à sepultura.
XXXVII
Continuamente estou imaginando,
Se esta vida, que logro, tão pesada,
Há de ser sempre aflita, e magoada,
Se como o tempo enfim se há de ir mudando:Em golfos de esperança flutuando
Mil vezes busco a praia desejada;
E a tormenta outra vez não esperada
Ao pélago infeliz me vai levando.Tenho já o meu mal tão descoberto,
Que eu mesmo busco a minha desventura;
Pois não pode ser mais seu desconcerto.Que me pode fazer a sorte dura,
Se para não sentir seu golpe incerto,
Tudo o que foi paixão, é já loucura!
XV
Formoso, e manso gado, que pascendo
A relva andais por entre o verde prado,
Venturoso rebanho, feliz gado, Que à bela
Antandra estais obedecendo;Já de Corino os ecos percebendo
A frente levantais, ouvis parado;
Ou já de Alcino ao canto levantado,
Pouco e pouco vos ides recolhendo;Eu, o mísero Alfeu, que em meu destino
Lamento as sem razões da desventura,
A seguir vos também hoje me inclino:Medi meu rosto: ouvi minha ternura;
Porque o aspecto, e voz de um peregrino
Sempre faz novidade na espessura.