Sonetos sobre Vez de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de vez de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

XLVI

NĂŁo vĂŞs, Lise, brincar esse menino
Com aquela avezinha? Estende o braço;
Deixa-a fugir; mas apertando o laço,
A condena outra vez ao seu destino?

Nessa mesma figura, eu imagino,
Tens minha liberdade; pois ao passo,
Que cuido, que estou livre do embaraço,
EntĂŁo me prende mais meu desatino.

Em um contĂ­nuo giro o pensamento
Tanto a precipitar-me se encaminha,
Que nĂŁo vejo onde pare o meu tormento.

Mas fora menos mal esta ânsia minha,
Se me faltasse a mim o entendimento,
Como falta a razĂŁo a esta avezinha.

VIII

Este Ă© o rio, a montanha Ă© esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
SĂŁo estes inda os mesmos arvoredos;
Esta Ă© a mesma rĂşstica floresta.

Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavĂ­ssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.

Oh quĂŁo lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!

Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruĂ­do
Vem as mortas espécies despertando.

VI

Brandas ribeiras, quanto estou contente
De ver nos outra vez, se isto Ă© verdade!
Quanto me alegra ouvir a suavidade,
Com que FĂ­lis entoa a voz cadente!

Os rebanhos, o gado, o campo, a gente,
Tudo me está causando novidade:
Oh como Ă© certo, que a cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente!

Recebei (eu vos peco) um desgraçado,
Que andou té agora por incerto giro
Correndo sempre atrás do seu cuidado:

Este pranto, estes ais, com que respiro,
Podendo comover o vosso agrado,
Façam digno de vós o meu suspiro.

LVI

Tu, ninfa, quando eu menos penetrado
Das violĂŞncias de Amor vivia isento,
Propondo-te entĂŁo bela a meu tormento,
Foste doce ocasiĂŁo de meu cuidado.

Roubaste o meu sossego, um doce agrado,
Um gesto lindo, um brando acolhimento
Foram somente o Ăşnico instrumento,
Com que deixaste o triunfo assegurado.

Já não espero ter felicidade,
Salvo se for aquela, que confio,
Por amar-te, apesar dessa impiedade.

Em prĂŞmio dos suspiros, que te envio,
Ou modera o rigor da crueldade,
Ou torna-me outra vez meu alvedrio.

XXI

De um ramo desta faia pendurado
Veja o instrumento estar do pastor Fido;
Daquele, que entre os mais era aplaudido,
Se alguma vez nas selvas escutado.

Ser eternamente consagrado
Um ai saudoso, um fĂşnebre gemido;
Enquanto for no monte repetido
O seu nome, o seu canto levantado.

Se chegas a este sĂ­tio, e te persuade
A algum pesar a sua desventura,
Corresponde em afetos de piedade;

Lembra te, caminhante, da ternura
De seu canto suave; e uma saudade
Por obséquio dedica à sepultura.

XXXVII

Continuamente estou imaginando,
Se esta vida, que logro, tĂŁo pesada,
Há de ser sempre aflita, e magoada,
Se como o tempo enfim se há de ir mudando:

Em golfos de esperança flutuando
Mil vezes busco a praia desejada;
E a tormenta outra vez nĂŁo esperada
Ao pélago infeliz me vai levando.

Tenho já o meu mal tão descoberto,
Que eu mesmo busco a minha desventura;
Pois nĂŁo pode ser mais seu desconcerto.

Que me pode fazer a sorte dura,
Se para nĂŁo sentir seu golpe incerto,
Tudo o que foi paixão, é já loucura!