Sonetos sobre VĂ­timas

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Sonetos de vítimas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Importuna RazĂŁo, NĂŁo Me Persigas;

Importuna RazĂŁo, nĂŁo me persigas;
Cesse a rĂ­spida voz que em vĂŁo murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas:

Se acusas os mortais, e os nĂŁo abrigas,
Se ( conhecendo o mal ) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna RazĂŁo, nĂŁo me persigas.

É teu fim, teu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo:

Queres que fuja de MarĂ­lia bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela.

XXV

NĂŁo de tigres as testas descarnadas,
Não de hircanos leões a pele dura,
Por sacrifĂ­cio Ă  tua formosura,
Aqui te deixo, Ăł Lise, penduradas:

Ânsias ardentes, lágrimas cansadas,
Com que meu rosto enfim se desfigura,
SĂŁo, bela ninfa, a vĂ­tima mais pura,
Que as tuas aras guardarĂŁo sagradas.

Outro as flores, e frutos, que te envia,
Corte nos montes, corte nas florestas;
Que eu rendo as mágoas, que por ti sentia:

Mas entre flores, frutos, peles, testas,
Para adornar o altar da tirania,
Que outra vĂ­tima queres mais, do que estas ?

Sonho

De suspirar em vão já fatigado,
Dando trégua a meus males eu dormia;
Eis que junto de mim sonhei que via
Da Morte o gesto lĂ­vido e mirrado:

Curva fouce no punho descarnado
Sustentava a cruel, e me dizia:
“Eu venho terminar tua agonia;
Morre, nĂŁo penes mais, Ăł desgraçado!”

Quis ferir-me, e de Amor foi atalhada,
Que armado de cruentos passadores
Aparece, e lhe diz com voz irada:

“Emprega noutro objecto teus rigores;
Que esta vida infeliz está guardada
Para vĂ­tima sĂł de meus furores.”

HeroĂ­smos

Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Solene, enraivecido, turbulento,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
O mar sublime, o mar que nunca dorme.

Eu temo o largo mar, rebelde, informe,
De vítimas famélico, sedento,
E creio ouvir em cada seu lamento
Os ruĂ­dos dum tĂşmulo disforme.

Contudo, num barquinho transparente,
No seu dorso feroz vou blasonar,
Tufada a vela e n’água quase assente,

E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Escarro, com desdém, no grande mar!

Alucinação À Beira-Mar

Um medo de morrer meus pés esfriava.
Noite alta. Ante o telĂşrico recorte,
Na diuturna discĂłrdia, a equĂłrea coorte
Atordoadoramente ribombava!

Eu, ególatra céptico, cismava
Em meu destino!… O vento estava forte
E aquela matemática da Morte
Com os seus nĂşmeros negros me assombrava!

Mas a alga usufructuária dos oceanos
E os malacopterĂ­gios subraquianos
Que um castigo de espécie emudeceu,

No eterno horror das convulsões marítimas
Pareciam também corpos de vítimas
Condenadas Ă  Morte, assim como eu!

XLI

Injusto Amor, se de teu jugo isento
Eu vira respirar a liberdade,
Se eu pudesse da tua divindade
Cantar um dia alegre o vencimento;

NĂŁo lograras, Amor, que o meu tormento,
VĂ­tima ardesse a tanta crueldade;
Nem se cobrira o campo da vaidade
Desses troféus, que paga o rendimento:

Mas se fugir nĂŁo pude ao golpe ativo,
Buscando por meu gosto tanto estrago,
Por que te encontro, Amor, tĂŁo vingativo?

Se um tal despojo a teus altares trago,
Siga a quem te despreza, o raio esquivo;
Alente a quem te busca, o doce afago.

A Praça Estava Cheia. O Condenado

A praça estava cheia. O condenado
Transpunha nobremente o cadafalso,
Puro de crime, isento de pecado,
Vítima augusta de indelével falso.

E na atitude do Crucificado,
O olhar azul pregado n’amplidĂŁo,
Pude rever naquele desgraçado
O drama lutuoso da PaixĂŁo.

Quando do algoz cruento o braço alçado
Se dispunha a vibrar sem compaixĂŁo
O golpe na cabeça do culpado

Ele, o algoz – o criminoso – entĂŁo,
Caiu na praça como fulminado
A soluçar: perdão, perdão, perdão!

LI

Adeus, Ă­dolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitĂłria mĂ­sera publica,
Que tens barbaramente conseguido.

Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.

E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;

Na imensa confusĂŁo de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vĂ­tima de uma alma em teus altares.

Os Castrados

Há muitos tipos de castrados.
Há os da casta de cantores
que se afinam na voz mais fina
aleijões de seus dissabores.

Há os de vida feminina
de tarefas vis sem pudores
aios de haréns de concubinas
os assexuados sem rumores.

São todos eunucos forçados
vĂ­timas do mando de autores:
os sultões de sanha assassina
que gozam no estertor das dores.

Castrados morais tĂŞm escrotos,
mas gozam com sexo dos outros.