Sonetos sobre Noite de LĂȘdo Ivo

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Sonetos de noite de LĂȘdo Ivo. Leia este e outros sonetos de LĂȘdo Ivo em Poetris.

O Sol Da Tarde

Aquela tarde em que eu estava em Roma,
aquela tarde com sol da manhĂŁ,
como ser sĂł a tarde, se era a soma
do sol filtrado pela telha vĂŁ?

Assim sĂŁo sob o sol todas as tardes:
são clarÔes e janelas, são aromas,
e o silĂȘncio que cala o vĂŁo alarde
da tarde que se estende sobre Roma.

Sob o sol que declina, aqui estou
esperando que a noite caia em Roma
como um pĂĄlio que oculta o nada e a morte.

Roma dos obeliscos e sarcĂłfagos!
Depois de tanto sol e tanto vento
a noite desce e eu sou a noite e pĂł.

Soneto Dos Vinte Anos

Que o tempo passe, vendo-me ficar
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.

Passem rios, estrelas, que o passar
Ă© ficar sempre, mesmo se Ă© esquecida
a dor de ao vento vĂȘ-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.

Que eu mesmo, sendo humano, também passe
mas que nĂŁo morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.

Fez-me a vida talvez para que amasse
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.

A Noite Branca

Uma fonte clara e musical
canta na noite branca de Roma
e dos jardins pagĂŁos vem o aroma
que embalsama as camas dos amantes.

A ĂĄgua de si mesma enamorada
cinge a fronte fria das estĂĄtuas
de dia feridas pelas fĂĄtuas
vozes dos turistas sucessivos.

A memĂłria oculta das cloacas
narra o seu trajeto de ĂĄgua e fĂĄbula
pela boca dos tritÔes e måscaras.

No brancor da praça adormecida
Aparece um travesti aidético
E ouve a fonte, a eterna voz da vida.

Soneto Da Enseada

Sou sempre o que estå além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pĂŽr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imĂłvel no jardim.

De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.

Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida Ă© simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.

Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigĂ­lia ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?

Soneto Da Conciliação

Que o amor nĂŁo me iluda, como a bruma
que esconde uma imprevista segurança.
Antes, sustente o chĂŁo em que descansa
o que se irĂĄ, perdido como a espuma.

Veja que eu me elegi, mas sem nenhuma
razão de assim fazer, e sem lembrança
de aproveitar apenas a esquivança
de que o amor nĂŁo prescinde em parte alguma.

Que também não se alheie ao que esclarece
o motivo real, de uma oferta,
reunir o acessĂłrio e o imprescindĂ­vel.

Antes, atente a tudo o que se tece
distante do seu dia inconsumĂ­vel
que dĂĄ certeza Ă  noite mais incerta.