O exercĂcio do silĂȘncio Ă© tĂŁo importante quanto a prĂĄtica da palavra.
Passagens sobre SilĂȘncio
845 resultadosUm Homem Simples
Eu tenho sido um homem demasiado simples â Ă© esta a minha honra e a minha vergonha. Acompanhei a farĂąndola dos meus companheiros e invejei-lhes a brilhante plumagem, as satĂąnicas atitudes, os aviĂ”es de papel e atĂ© as vacas, que talvez tenham algo que ver, de forma misteriosa, com a literatura. De qualquer maneira, parece-me que nĂŁo nasci para condenar, mas para amar. AtĂ© mesmo os divisionistas que me atacam, os que se reĂșnem aos montes para me arrancar os olhos e que antes se nutriram com a minha poesia, merecem pelo menos o meu silĂȘncio. Nunca tive medo de contĂĄgio penetrando na multidĂŁo dos meus prĂłprios inimigos, porque os Ășnicos que tenho sĂŁo os inimigos do povo.
O Amor em Visita
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lĂșbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marĂtimo
e o pĂŁo for invadido pelas ondas –
seu corpo arderĂĄ mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderĂĄ para mim
sobre um lençol mordido por flores com ågua.Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordÔes da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,
Grandeza do Homem
Somos a grande ilha do silĂȘncio de deus
Chovam as estaçÔes soprem os ventos
jamais hĂŁo-de passar das margens
Caia mesmo uma bota cardada
no grande reduto de deus e nĂŁo conseguirĂĄ
desvanecer a primitiva pegada
Ă esta a grande humildade a pequena
e pobre grandeza do homem
O silĂȘncio dos mortos encerra terrĂvel acusação aos vivos.
O silĂȘncio do invejoso estĂĄ cheio de ruĂdos.
MĂșsica
A mĂșsica vinha duma mansidĂŁo de consciĂȘncia
era como que uma cadeira sentada sem
um nĂŁo falar de coisa alguma com a palavra por baixo
nada fazia prever que o vento fosse de azul para cima
e que a pose uma nostalgia de movimento deambulante
era-se como se tudo por cima duma vontade de fazer uma asa
nós não movimentamos o espaço mas a vida erige a cifra
constrĂłi por dentro um vocĂĄbulo sem se saber
como o que serĂĄ
era um sinal que vinha duma atmosfera simplificante
silĂȘncio como um pĂĄssaro caĂdo a falar do comprimento.
A Invenção do Amor
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares Ă porta dos edifĂcios pĂșblicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anĂșncios de apa-
relhos de rĂĄdio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no åtrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amorEm letras enormes do tamanho
do medo da solidĂŁo da angĂșstia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carĂĄcter de urgĂȘncia
deixando cair dos ombros o fardo incĂłmodo da monotonia
quotidianaUm homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inĂșteis
Apenas o silĂȘncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperadoNĂŁo saĂram de mĂŁos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativoUm homem uma mulher um cartaz de denĂșncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rĂĄdio jĂĄ falou A TV anuncia
iminente a captura A polĂcia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
Ă© possĂvel que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
Ă preciso encontrĂĄ-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeiaHå pesadas sançÔes para os que auxiliarem os fugitivos
(…)
Estado Agudo de Felicidade
Com duas pessoas eu jĂĄ entrei em comunicação tĂŁo forte que deixei de existir, sendo. Como explicar? OlhĂĄvamo-nos nos olhos e nĂŁo dizĂamos nada, e eu era a outra pessoa e a outra pessoa era eu. Ă tĂŁo difĂcil falar, Ă© tĂŁo difĂcil dizer coisas que nĂŁo podem ser ditas, Ă© tĂŁo silencioso. Como traduzir o profundo silĂȘncio do encontro entre duas almas? E dificĂlimo contar: nĂłs estĂĄvamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Ăramos um sĂł ser. Esses momentos sĂŁo o meu segredo. Houve o que se chama de comunhĂŁo perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade. Estou terrivelmente lĂșcida e parece que estou atingindo um plano mais alto de humanidade. Foram os momentos mais altos que jamais tive.
O Porto Ă© SĂł…
O Porto Ă© sĂł uma certa maneira de me refugiar na tarde, forrar-me de silĂȘncio e procurar trazer Ă tona algumas palavras, sem outro fito que nĂŁo seja o de opor ao corpo espesso destes muros a insurreição do olhar.
O Porto é só esta atenção empenhada em escutar os passos dos velhos, que a certas horas atravessam a rua para passarem os dias no café em frente, os olhos vazios, as lågrimas todas das crianças de S. Victor correndo nos sulcos da sua melancolia.
O Porto é só a pequena praça onde hå tantos anos aprendo metodicamente a ser årvore, procurando assim parecer-me cada vez mais com a terra obscura do meu próprio rosto.
Desentendido da cidade, olho na palma da mĂŁo os resĂduos da juventude, e dessa paixĂŁo sem regra deixarei que uma pĂ©tala poise aqui, por ser tĂŁo branca.1979
Pecar pelo silĂȘncio, quando se deveria protestar, transforma homens em cobardes.
O SustentĂĄculo do Amor
A paz Ă© algo que nenhum homem pode dar a outro. Um dos fins mais importantes para quem arrisca ser quem Ă© serĂĄ o de construir a sua prĂłpria paz. Esta resulta de um trabalho duro de equilĂbrio das vontades, de uma harmonização ĂĄrdua das diferentes dimensĂ”es interiores, como o pensar e o sentir; Ă© um estado ĂĄgil e dinĂąmico que, ao limite, permite ultrapassar e vencer qualquer adversidade.
A paz nĂŁo Ă© o estado de quem vive uma ausĂȘncia de conflitos, Ă© o resultado da conciliação corajosa das diferentes forças que, dentro e fora de cada homem, tentam prevalecer sobre as demais, menosprezando-se mutuamente.Muitos sĂŁo os que julgam ter encontrado a paz quando se livram do sonho do amor. EstĂŁo enganados, o caminho atĂ© Ă felicidade Ă© ainda longo para quem cansado assim se contenta, repousando de uma luta que nem chegou a começar.
A paz é um ponto de passagem de quem ruma à plenitude da vida. A paz é o ponto de partida para o amor, que por sua vez lança o homem para a felicidade. A paz é o ponto de chegada dos que sofrem as dores mais profundas.
A verdade Ă© tranquila.
A DĂĄdiva da EvidĂȘncia de Si
Que havia, pois, mais para a vida, para responder ao seu desafio de milagre e de vazio, do que vivĂȘ-la no imediato, na execução absoluta do seu apelo? Eliminar o desejo dos outros para exaltar o nosso. Queimar no dia-a-dia os restos de ontem. Ser sĂł abertura para amanhĂŁ. A vida real nĂŁo eram as leis dos outros e a sua sanção e o seu teimoso estabelecimento de uma comunidade para o furor de uma plenitude solitĂĄria. O absoluto da vida, a resposta fechada para o seu fechado desafio sĂł podia revelar-se e executar-se na uniĂŁo total com nĂłs mesmos, com as forças derradeiras que nos trazem de pĂ© e sĂŁo nĂłs e exigem realizar-se atĂ© ao esgotamento. Este «eu» solitĂĄrio que achamos nos instantes de solidĂŁo final, se ninguĂ©m o pode conhecer, como pode alguĂ©m julgĂĄ-lo? E de que serve esse «eu» e a sua descoberta, se o condenamos Ă prisĂŁo? SabĂȘ-lo Ă© afirmĂĄ-lo! ReconhecĂȘ-lo Ă© dar-lhe razĂŁo. Que ignore isso o que ignora que Ă©. Que o despreze e o amordace o que vive no dia-a-dia animal. Mas quem teve a dĂĄdiva da evidĂȘncia de si, como condenar-se a si ao silĂȘncio prisional? NinguĂ©m pode pagar, nada pode pagar a gratuitidade deste milagre de sermos.
O Ășnico meio positivo de conversar com as plantas Ă© compreender-lhes o silĂȘncio.
O silĂȘncio Ă© pior. As verdades que calamos tornam-se venenosas.
Cada gota de silĂȘncio Ă© a possibilidade de um fruto maduro.
Hoje Tomei a DecisĂŁo de Ser Eu
Hoje, ao tomar de vez a decisĂŁo de ser Eu, de viver Ă altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilizacĂŁo de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressĂ”es pelos outros, na posse plena do meu GĂ©nio e na divina consciĂȘncia da minha MissĂŁo. Hoje sĂł me quero tal qual meu carĂĄcter nato quer que eu seja; e meu GĂ©nio, com ele nascido, me impĂ”e que eu nĂŁo deixe de ser.
Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou.
Nada de desafios Ă plebe, nada de girĂąndolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade nĂŁo se mascara de palhaço; Ă© de renĂșncia e de silĂȘncio que se veste.
O Ășltimo rasto de influĂȘncia dos outros no meu carĂĄcter cessou com isto. Reconheci â ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de « lançar o Interseccionismo» â a tranquila posse de mim.
Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci.
HĂĄ Um Poeta Em Mim Que Deus Me Disse
HĂĄ um poeta em mim que Deus me disse…
A Primavera esquece nos barrancos
As grinaldas que trouxe dos arrancos
Da sua efĂȘmera e espectral ledice…Pelo prado orvalhado a meninice
Faz soar a alegria os seus tamancos…
Pobre de anseios teu ficar nos bancos
Olhando a hora como quem sorrisse…Florir do dia a capitĂ©is de Luz…
Violinos do silĂȘncio enternecidos…
TĂ©dio onde o sĂł ter tĂ©dio nos seduz…Minha alma beija o quadro que pintou…
Sento-me ao pé dos séculos perdidos
E cismo o seu perfil de inĂ©rcia e vĂŽo…
Desarmar e Esgotar o Sofrimento
A literatura Ă© uma defesa contra as ofensas da vida. A primeira diz Ă segunda: «NĂŁo me levas Ă certa; sei como te comportas, sigo-te e prevejo-te, gozo atĂ© ao ver-te agir, e roubo-te o segredo ao recriar-te em hĂĄbeis construçÔes que travam o teu fluxo.» Ă parte este jogo, a outra defesa contra as coisas Ă© o silĂȘncio em que nos recolhemos antes de dar o salto. Mas Ă© preciso que sejamos nĂłs a escolhĂȘ-lo, e nĂŁo deixar que no-lo imponham. Nem mesmo a morte. Escolhermos um mal Ă© a Ășnica defesa contra esse mal. Isto significa aceitar o sofrimento. NĂŁo resignação, mas força. Digerir o mal de uma sĂł vez. TĂȘm vantagem os que, por Ăndole, sabem sofrer de um modo impetuoso e total: assim se desarma o sofrimento e o transformamos em criação, escolha, resignação. Justificação do suicĂdio.
Aqui nĂŁo hĂĄ lugar para a Caridade.
Mudo, Mundo
Como serĂĄ que os pĂĄssaros que vivem no alto mar
dormem? e como serĂĄ
que o sono demora
no corpo das mulheres
e pode se ajeitar
entre o ventre e a virilha
e como serĂĄ que a mĂșsica
que Ă© gravada
permanece no silĂȘncio anos?
e como serĂĄ que os seios
ignoram o resto do corpo
e vivem a mesma vida
do resto do corpo, enfeite,
punhal, precisa beleza
na morte da madrugada
onde o corpo nĂŁo dorme
e como serĂĄ que o cavalo negro
acolhe a presença da lua
na lĂmpida noite
e, ao chegar da manhĂŁ,
acolhe a presença da moça
nua que serĂĄ reflectida
nos seus olhos
maior que a manhĂŁ
e como serĂĄ que a manhĂŁ
acolhe em seu puro ventre
os seus irmĂŁos rios?
e como serĂĄ que a terra
sabe guardar silĂȘncio sobre a morte
e como serĂĄ que as cobras
se encontram nas florestas
e como serĂĄ que o homem vive
sem abraçar o dia
e o viandante â irmĂŁo do dia?