Sonetos sobre Pecado de Florbela Espanca

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Sonetos de pecado de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

O Meu Soneto

Em atitudes e em ritmos fleumáticos,
Erguendo as mĂŁos em gestos recolhidos,
Todos brocados fúlgidos, hieráticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos…

E os meus olhos serenos, enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristíssimos, extáticos,
SĂŁo letras de poemas nunca lidos…

As magnĂłlias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados d´amor trazem de rastros…

E a minha boca, a rĂştila manhĂŁ,
Na Via Láctea, lírica, pagã,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..

Minha Culpa

A Artur Ledesma

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem…
Sou um reflexo… um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivĂ©m…

Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!…

Sou um verme que um dia quis ser astro…
Uma estátua truncada de alabastro…
Uma chaga sangrenta do Senhor…

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador…

Cegueira Bendita

Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e nĂŁo saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!

NĂŁo vejo nada, tudo Ă© morto e vago…
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenĂşfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho…

Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E nĂŁo ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmĂŁos, que triste sorte!…

E chamam-nos a nĂłs Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!

Mistério

Gosto de ti, Ăł chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca nĂŁo aprende
MurmĂşrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lĂşgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistĂ©rio…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome Ă s rosas!