À Morte
Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera…quebra-me o encanto!
Sonetos sobre Senhores de Florbela Espanca
5 resultadosSem Remédio
Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou…
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!Sinto os passos da Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio.
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!
Minha Culpa
A Artur Ledesma
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem…
Sou um reflexo… um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém…Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!…Sou um verme que um dia quis ser astro…
Uma estátua truncada de alabastro…
Uma chaga sangrenta do Senhor…Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador…
Escrava
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu senhor,
Eu te saúdo, olhar do meu olhar,
Fala da minha boca a palpitar,
Gesto das minhas mãos tontas de amor!Que te seja propício o astro e a flor,
Que a teus pés se incline a Terra e o Mar,
Plos séculos dos séculos sem par,
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu senhor!Eu, doce e humilde escrava, te saúdo,
E, de mãos postas, em sentida prece,
Canto teus olhos de oiro e de veludo.Ah! esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a eternidade!…
Rústica
Ser a moça mais linda do povoado.
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho…
– Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho…Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à “terra da verdade”…Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.