Sonetos sobre Peregrinos de Cruz e Souza

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Sonetos de peregrinos de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Luz Da Natureza

Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.

Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.

Desta minh’alma a solidĂŁo de prantos
Cerca com os teus leões de brava crença,
Defende com so teus gládios sacrossantos.

Dá-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a FĂ© do meu Sonho se condensa!

Supremo Verbo

– Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu’alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidões do Pranto.

Ei-lo, do Amor o Cálix sacrossanto!
Bebe-o, feliz, nas tuas mĂŁos o entrego…
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.

Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo…

Sorrindo a céus que vão se desvendando,
A mundos que vĂŁo se multiplicando,
A portas de ouro que vĂŁo se abrindo!

Dizem Que A Arte É A Clâmide De Idéia

Dizem que a arte é a clâmide de idéia
A peregrina irradiação celeste,
E d’isso a prova singular já deste
Sorvendo d’ela a divinal sabĂ©ia!.

Da “Georgeta” na feliz estrĂ©ia,
Asseverar-nos ainda mais vieste
Que és um gênio, que te vás de preste
Tornando o assombro de qualquer platĂ©ia!…

Sinto uns transportes fervorosos, ledos
Quando nas cenas de sutis enredos
Fulgem-te os olhos co’a expressĂŁo dos astros!…

E as turbas mudas, impassĂ­veis, calmas
Sentem mil mundos lhes crescer nas almas…
VĂŁo-te seguindo os luminosos rastros!…

Luar

Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tĂ­midas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.

Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
VĂŁo penumbrando as coisas cristalinas.

Rasga o silĂŞncio a nota chĂŁ, plangente,
Da Ave-Maria, — e entĂŁo, nervosamente,
Nuns inefáveis, espontâneos jorros

Esbate o luar, de forma admirável,
Claro, bondoso, elétrico, saudável,
Na curvilĂ­nea compridĂŁo dos mortos.

Satanismo

NĂŁo me olhes assim, branca Arethusa,
Peregrina inspiração dos meus cantares;
NĂŁo me deixes a razĂŁo vagar confusa
Ao relâmpago ideal de teus olhares.

NĂŁo me olhes, oh! nĂŁo, porquanto eu penso
Envolvido no luar das minhas cismas,
Que o olhar que me dardejas — doido, imenso
Tem a rápida explosão dos aneurismas.

NĂŁo me olhes. Oh! nĂŁo, que o prĂłprio inferno
Problemático, fatal, cálido, eterno,
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!…

NĂŁo me olhes, oh! nĂŁo, que m’entolece
Tanta luz, tanto sol — e atĂ© parece
Que tens mĂşsicas cruĂ©is dentro do olhar!…

Metamorfose

A Carlos Ferreira

O sol em fogo pelo ocaso explode
Nesse estertor, que os crânios assoberba.
Vivo, o clarĂŁo, nuns frocos exacerba
Dos ideais a original nevrose.

Da natureza os anafis mouriscos
Ante o cariz da atmosfera muda,
Soam queixosos, numa nota aguda,
Da luz que esvai-se aos derradeiros discos.

O pensamento que flameja e luta
Nos ares rasga aprofundado sulco…
A sombra desce nos lisins da gruta;

E a lua nova — a peregrina Onfale,
Como em um plaustro luminoso, hiulco,
Surge através dos pinheirais do vale.

Dormindo

Pálida, bela, escultural, clorótica
Sobre o divĂŁ suavĂ­ssimo deitada,
Ela lembrava — a pálpebra cerrada —
Uma ilusĂŁo esplendida de Ăłtica.

A peregrina carnação das formas,
— o sensual e lĂ­mpido contorno,
Tinham esse quê de avérnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…

Ela dormia como a VĂŞnus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…

Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!…

Crença

Filha do céu, a pura crença é isto
Que eu vejo em ti, na vastidĂŁo das cousas,
Nessa mudez castĂ­ssima das lousas,
No belo rosto sonhador do Cristo.

A crença é tudo quanto tenho visto
Nos olhos teus, quando a cabeça pousas
Sobre o meu colo e que dizer nĂŁo ousas
Todo esse amor que eu venço e que conquisto.

A crença é ter os peregrinos olhos
Abertos sempre aos rĂ­spidos escolhos;
TĂŞ-los Ă  frente de qualquer farol

E conservá-los, simplesmente acesos
Como dois fachos — engastados, presos
Nas radiações prismáticas do sol!

Anima Mea

Ă“ minh’alma, Ăł minh’alma, Ăł meu Abrigo,
Meu sol e minha sombra peregrina,
Luz imortal que os mundos ilumina
Do velho Sonho, meu fiel Amigo!

Estrada ideal de SĂŁo Tiago, antigo
Templo da minha fé casta e divina,
De onde é que vem toda esta mágoa fina
Que Ă©, no entanto, consolo e que eu bendigo?

De onde é que vem tanta esperança vaga,
De onde vem tanto anseio que me alaga,
Tanta diluída e sempiterna mágoa?

Ah! de onde vem toda essa estranha essĂŞncia
De tanta misteriosa TranscendĂŞncia
Que estes olhos me dixam rasos de água?!

Pacto Das Almas (II) Longe De Tudo

É livre, livre desta vã matéria,
Longe, nos claros astros peregrinos
Que havereemos de encontrar os dons divinos
E a grande paz, a grande paz sidérea.

Cá nesta humana e trágica miséria,
Nestes surdos abismos assassinos
Termos de colher de atros destinos
A flor apodrecida e deletéria.

O baixo mundo que troveja e brama
SĂł nos mostra a caveira e sĂł a lama,
Ah! sĂł a lama e movimentos lassos…

Mas as almas irmĂŁs, almas perfeitas,
Hão de trocar, nas Regiões eleitas,
Largos, profundos, imortais abraços!

De Alma Em Alma

Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuário em santuário.
És o secreto e místico templário
As almas, em silĂŞncio, contemplando.

Não sei que de harpas há em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivário
Que lembras reverências de sacrário
E de vozes celestes murmurando.

Mas sei que de alma em alma andas perdido
Atrás de um belo mundo indefinido
De silĂŞncio, de Amor, de Maravilha.

Vai! Sonhador das nobres reverĂŞncias!
A alma da FĂ© tem dessas florescĂŞncias,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!

A Harpa

Prende, arrebata, enleva, atrai, consola
A harpa tangida por convulsos dedos,
Vivem nela mistérios e segredos,
É berceuse, é balada, é barcarola.

Harmonia nervosa que desola,
Vento noturno dentre os arvoredos
A erguer fantasmas e secretos medos,
Nas suas cordas um soluço rola…

Tu’alma Ă© como esta harpa peregrina
Que tem sabor de mĂşsica divina
E sĂł pelos eleitos Ă© tangida.

Harpa dos céus que pelos céus murmura
E que enche os céus da música mais pura,
como de uma saudade indefinida.

O Cego Do Harmonium

Esse cego do harmonium me atormenta
E atormentando me seduz, fascina.
A minh’alma para ele vai sedenta
Por falar com a sua alma peregrina.

O seu cantar nostálgico adormenta
Como um luar de mĂłrbida neblina.
O harmonium geme certa queixa lenta,
Certa esquisita e lânguida surdina.

Os seus olhos parecem dois desejos
Mortos em flor, dois luminosos beijos
Fanados, apagados, esquecidos…

Ah! eu não sei o sentimento vário
Que prende-me a esse cego solitário,
De olhos aflitos como vĂŁos gemidos!

Grande Amor

Grande amor, grande amor, grande mistério
Que as nossas almas trĂŞmulas enlaça…
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.

Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.

Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido…

Selo perpétuo, puro e peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.

Soneto

Brancas Aparições, Visões renanas,
Imagens dos Ascetas peregrinos,
Hinos nevoentos, neblinosos hinos
Das brumosas igrejas luteranas.

Vago mistério das regiões indianas,
Sonhos do Azul dos astros cristalinos,
Coros de Arcanjos, claros sons divinos
Dos Arcanjos, nas tiorbas soberanas.

Tudo ressurge na minh’alma e vaga
Num fluido ideal que me arrebata e alaga,
No abandono mais lânguido mais lasso…

Quando lá nos sacrários do Cruzeiro
A lua rasga o trĂŞmulo nevoeiro,
Magoada de vigĂ­lias e cansaço…