Sonetos sobre PĂ©s de Camilo Pessanha

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Sonetos de pés de Camilo Pessanha. Leia este e outros sonetos de Camilo Pessanha em Poetris.

Madalena

…e lhe regou de lĂĄgrimas os pĂ©s e os enxugou com os cabelos da sua cabeça. Evangelho de S. Lucas.

Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
LĂ­rio poluĂ­do, branca flor inĂștil…
Meu coração, velha moeda fĂștil,
E sem relevo, os caracteres gastos,

De resignar-se torpemente dĂșctil…
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
EnsangĂŒentado, enxovalhado, inĂștil,

Dentro do peito, abominĂĄvel cĂŽmico!
Morrer tranqĂŒilo, – o fastio da cama…
Ó redenção do mármore anatîmico,

Amargura, nudez de seios castos!…
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos!

VĂȘnus I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!

PĂștrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrĂĄs, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

Caminho

I

Tenho sonhos cruĂ©is; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…

Saudades desta dor que em vĂŁo procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum vĂ©u escuro!…

Porque a dor, esta falta d_harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o cĂ©u d’agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque Ă© sĂł madrugada quando chora.

II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quĂȘ, nem eu o sei.
d Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada Ă© maior indo sozinho

É longe, Ă© muito longe, hĂĄ muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvårio,
E queima como a areia!… Foi no entanto

Que choramos a dor de cada um…

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VĂ©nus

I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!

PĂștrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrĂĄs, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

II

Singra o navio. Sob a ĂĄgua clara
VĂȘ-se o fundo do mar, de areia fina…
_ ImpecĂĄvel figura peregrina,
A distĂąncia sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂȘncia luminosa
Repousam, fundos, sob a ĂĄgua plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrågios, perdiçÔes, destroços!
_ Ó fĂșlgida visĂŁo, linda mentira!

RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…

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Caminho II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quĂȘ, nem eu o sei.
– Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada Ă© maior indo sozinho

É longe, Ă© muito longe, hĂĄ muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvårio,
E queima como a areia!… Foi no entanto

Que choramos a dor de cada um…
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

Caminho

II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quĂȘ, nem eu o sei.
– Bom dia, companheiro – te saudei,
Que a jornada Ă© maior indo sozinho.

É longe, Ă© muito longe, hĂĄ muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvårio,
E queima como a areia!… Foi no entanto

Que chorĂĄmos a dor de cada um…
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.