Sonetos de Sá de Miranda

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Sonetos de Sá de Miranda. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Quando Eu, Senhora, Em VĂłs Os Olhos Ponho

Quando eu, senhora, em vĂłs os olhos ponho,
e vejo o que nĂŁo vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.

Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m’espanto Ă s vezes, outras m’avergonho.

Que, tornando ante vĂłs, senhora, tal,
Quando m’era mister tant’ outr’ ajuda,
de que me valerei, se alma nĂŁo val?

Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.

NĂŁo Sei quem em VĂłs Mais Vejo

NĂŁo sei qu’em vĂłs mais vejo; nĂŁo sei que
mais ouço e sinto ao rir vosso e falar;
nĂŁo sei qu’entendo mais, tĂ© no calar,
nem quando vos nĂŁo vejo a alma que vĂŞ;

Que lhe aparece em qual parte qu’estĂ©,
olhe o céu, olhe a terra, ou olhe o mar;
e, triste aquele vosso suspirar,
em que tanto mais vai, que direi qu’Ă©?

Em verdade nĂŁo sei; nem isto qu’anda
antre nĂłs: ou se Ă© ar, como parece,
se fogo doutra sorte e doutra lei,

Em que ando, e de que vivo; nunca abranda;
por ventura que Ă  vista resplandece.
Ora o que eu sei tĂŁo mal, como o direi?

Aquela FĂ© TĂŁo Clara E Verdadeira

Aquela fé tão clara e verdadeira,
A vontade tão limpa e tão sem mágoa,
Tantas vezes provada em viva frágua
De fogo, i apurada, e sempre inteira;

Aquela confiança, de maneira
Que encheu de fogo o peito, os olhos de água,
Por que eu ledo passei por tanta mágoa,
Culpa primeira minha e derradeira,

De que me aproveitou? NĂŁo de al por certo
Que dum sĂł nome tĂŁo leve e tĂŁo vĂŁo,
Custoso ao rosto, tĂŁo custoso Ă  vida.

Dei de mim que falar ao longe e ao perto;
E já assi se consola a alma perdida,
Se nĂŁo achar piedade, ache perdĂŁo.

Quem aos Olhos Dar-me-á uma Vertente

Quem aos olhos dar-me-á uma vertente
de lágrimas, que manem noite e dia?
Ao menos a alma, enfim, respiraria,
chorando, ora o passado, ora o presente.

Quem me dará, longe de toda gente,
suspiros, que me valham na agonia
já longa, que o afã tanto encobria?
Sucedeu-me depois tanto acidente!

Quem me dará palavras com que iguale
tanto agravo que amor já me tem feito,
pois que tĂŁo pouco o sofrimento vale?

Ah! quem ao meio me abra este meu peito,
onde jaz tanto mal, por que se exale
tamanha coita minha e meu despeito?

Este Retrato Vosso Ă© o Sinal

Este retrato vosso Ă© o sinal
ao longe do que sois, por desamparo
destes olhos de cá, porque um tão claro
lume nĂŁo pode ser vista mortal.

Quem tirou nunca o sol por natural?
Nem viu, se nuvens nĂŁo fazem reparo,
em noite escura ao longe aceso um faro?
Agora se nĂŁo vĂŞ, ora vĂŞ mal.

Para uns tais olhos, que ninguém espera
de face a face, gram remédio fora
acertar o pintor ver-vos sorrindo.

Mas inda assim nĂŁo sei que ele fizera,
que a graça em vós não dorme em nenhuma hora.
Falando que fará? Que fará rindo?

Que Farei quando Tudo Arde?

Desarrezoado amor, dentro em meu peito,
tem guerra com a razĂŁo. Amor, que jaz
i já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito.

Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força; faz, desfaz,
sem respeito nenhum; e quando em paz
cuidais que sois, entĂŁo tudo Ă© desfeito.

Doutra parte, a RazĂŁo tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo; enfim vem o seu dia:

EntĂŁo nĂŁo tem lugar certo onde aguarde
Amor; trata traições, que não confia
nem dos seus. Que farei quando tudo arde?

Em Tormentos Cruéis

Em tormentos cruéis, tal sofrimento,
em tĂŁo contĂ­nua dor, que nunca aliva,
chamar a morte sempre, e que ela, altiva,
se ria dos meus rogos, no tormento!

E ver no mal que todo entendimento
naturalmente foge, e quanto aviva
a dor mais o vagar da alma cativa,
a quem não fará crer que é tudo um vento?

Bem sei uns olhos, que tĂŞm toda a culpa,
e sĂŁo os meus, que a toda parte vĂŞm
apĂłs o que vĂŞem sempre e os desculpa.

Ó minhas visões altas, meu só bem,
quem vos a vĂłs nĂŁo vĂŞ, esse me culpa,
e eu sou o só que as vejo, outrem ninguém!