Sonetos sobre Sangue de Luís de CamÔes

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Sonetos de sangue de Luís de CamÔes. Leia este e outros sonetos de Luís de CamÔes em Poetris.

Do Tempo que Fui Livre me Arrependo

O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o Feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava.

Amor ali, que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razĂŁo me salteava.

Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, nĂŁo sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,

Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.

Ordena Amor que Morra, e Pene Juntamente

Como fizeste, Ăł Porcia, tal ferida?
Foi voluntĂĄria, ou foi por inocĂȘncia?
É que Amor fazer sĂł quis experiĂȘncia
Se podia eu sofrer, tirar-me a vida?

E com teu prĂłprio sangue te convida
A que faças Ă  morte resistĂȘncia?
É que costume faço da paciĂȘncia,
Porque o temor morrer me nĂŁo impida.

Pois porque estĂĄs comendo com fogo ardente,
Se a ferro te costumas? É que ordena
Amor que morra, e pene juntamente.

E tens a dor do ferro por pequena?
Si, que a dor costumada nĂŁo se sente,
E nĂŁo quero eu a morte sem a pena.

Arvore, Cujo Pomo, Belo E Brando

Arvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
estĂĄ virgĂ­neas faces imitando;

nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vĂŁo, o teu injĂșria sinta;
nem por malĂ­cia de ar te seja extinta
a cor, que estĂĄ teu fruto debuxando;

que, pois me emprestas doce e idĂłneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glĂłria,

se nĂŁo te celebrar como mereces,
cantando te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memĂłria.

O Dia Em Que Eu Nasci, Moura E Pereça

O dia em que eu nasci, moura e pereça,
nĂŁo o queira jamais o tempo dar,
nĂŁo torne mais ao mundo, e, se tornar,
eclipse nesse passo o sol padeça.

luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,
mostre o mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova
o ar, a mãe ao próprio filho não conheça.

s pessoas pasmadas de ignorantes,
as lĂĄgrimas no rosto, a cor perdida,
cuidem que o mundo jĂĄ se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
que este dia deitou ao mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!

Trocou Finita Vida por Divina, Infinita e Clara Fama

− Não passes, caminhante! − Quem me chama?
− Uma memória nova e nunca ouvida,
De um que trocou finita e humana vida
Por divina, infinita e clara fama.

− Quem Ă© que tĂŁo gentil louvor derrama?
− Quem derramar seu sangue não duvida
Por seguir a bandeira esclarecida
De um capitĂŁo de Cristo, que mais ama.

− Ditoso fim, ditoso sacrifício,
Que a Deus se fez e ao mundo juntamente!
Apregoando direi tĂŁo alta sorte.

− Mais poderás contar a toda a gente
Que sempre deu na vida claro indĂ­cio
De vir a merecer tĂŁo santa morte.

Como Fizeste, PĂłrcia, Tal Ferida?

Como fizeste, PĂłrcia, tal ferida?
Foi voluntĂĄria, ou foi por inocĂȘncia?
-Mas foi fazer Amor experiĂȘncia
se podia sofrer tirar me a vida.

-E com teu prĂłprio sangue te convida
a nĂŁo pores Ă  vida resistĂȘncia?
-Ando me acostumando Ă  paciĂȘncia,
porque o temor a morte nĂŁo impida.

-Pois porque comes, logo, fogo ardente,
se a ferro te costumas?-Porque ordena
Amor que morra e pene juntamente.

E tens a dor do ferro por pequena?
-Si: que a dor costumada nĂŁo se sente;
e eu nĂŁo quero a morte sem a pena.

Portugal, TĂŁo Diferente de seu Ser Primeiro

Os reinos e os impérios poderosos,
Que em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou por valor de esforço floresceram,
Ou por varÔes nas letras espantosos.

Teve Grécia Temístocles; famosos,
Os CipiÔes a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.

Ao nosso Portugal, que agora vemos
TĂŁo diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.

E em vĂłs, grĂŁo sucessor e novo herdeiro
Do Braganção estado, hå mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.

Aquela Que, De Pura Castidade

Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por ĂŒa breve e sĂșbita mudança,
contrĂĄria a sua honra e qualidade

(venceu Ă  fermosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),

de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.

[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memĂłria larga vida!

Ilustre O Dino Ramo Dos Meneses

Ilustre o dino ramo dos Meneses,
aos quais o prudente e largo CĂ©u
(que errar nĂŁo sabe), em dote concedeu
rompesse os maométicos arneses;

desprezando a Fortuna e seus reveses,
ide para onde o Fado vos moveu;
erguei flamas no Mar alto Eritreu,
e sereis nova luz aos Portugueses.

Oprimi com tĂŁo firme e forte peito
o Pirata insolente, que se espante
e trema Taprobana e Gedrosia.

Dai nova causa Ă  cor do Arabo estreito:
assi que o roxo mar, daqui em diante,
o seja sĂł co sangue de Turquia!

O dia em que nasci moura e pereça,

O dia em que nasci moura e pereça,
NĂŁo o queira jamais o tempo dar;
NĂŁo torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lĂĄgrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo jĂĄ se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!