Sonetos sobre SilĂȘncio de Florbela Espanca

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Sonetos de silĂȘncio de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

CrepĂșsculo

Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes
Batendo as asas leves, irisadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lĂ­rios roxos e dolentes…

E os lĂ­rios fecham… Meu Amor, nĂŁo sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E as minhas pobres mĂŁos sĂŁo maceradas
Como vagas saudades de doentes…

O SilĂȘncio abre as mĂŁos… entorna rosas…
Andam no ar carĂ­cias vaporosas
Como pĂĄlidas sedas, arrastando…

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha
Um coração ardente palpitando…

SilĂȘncio!

No fadĂĄrio que Ă© meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te Ă  porta…

Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu jĂĄ nĂŁo vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda Ă  tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!

Estou junto de ti e nĂŁo me vĂȘs…
Quantas vezes no livro que tu lĂȘs
Meu olhar se pousou e se perdeu!

Trago-te como um filho, nos meus braços!
E na tua casa…Escuta!…Uns leves passos…
SilĂȘncio, meu Amor!…Abre! Sou eu!…

Nihil Novum

Na penumbra do pĂłrtico encantado
De bruges, noutras eras, jĂĄ vivi;
Vi os templos do Egipto com Loti;
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.

No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao BĂłsforo errei, pensando em ti!…
O silĂȘncio dos claustros conheci
Pelos poentes de nĂĄcar e brocado…

Mordi as rosas brancas de IspaĂŁ
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca bĂĄrbara e deserta,

Triste, a florir, numa ansiedade vĂŁ!
Sempre da vida — o mesmo estranho mal,
E o coração — a mesma chaga aberta!

Alvorecer

A noite empalidece. Alvorecer…
Ouve-se mais o gargalhar da fonte…
Sobre a cidade muda, o horizonte
É uma orquídea estranha a florescer.

HĂĄ andorinhas prontas a dizer
A missa d’alva, mal o sol desponte.
Gritos de galos soam monte em monte
Numa intensa alegria de viver.

Passos ao longe… um vulto que se esvai…
Em cada sombra Colombina trai…
Anda o silĂȘncio em volta a q’rer falar…

E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pĂĄlido, tonto, esfarrapado,
Um Pierrot, todo branco, a soluçar…

Blasfémia

SilĂȘncio, meu Amor, nĂŁo digas nada!
Cai a noite nos longes donde vim…
Toda eu sou alma e amor, sou um jardim,
Um pĂĄtio alucinante de Granada!

Dos meus cĂ­lios a sombra enluarada,
Quando os teus olhos descem sobre mim,
Traça trémulas hastes de jasmim
Na palidez da face extasiada!

Sou no teu rosto a luz que o alumia,
Sou a expressão das tuas mãos de raça,
E os beijos que me dĂĄs jĂĄ foram meus!

Em ti sou GlĂłria, Altura e Poesia!
E vejo-me — milagre cheio de graça! —
Dentro de ti, em ti igual a Deus!…

Mendiga

Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas…
No silĂȘncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!

Tinha o manto do sol… quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou?!

Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando…

Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidĂŁo dos ermos matagais!…

CastelĂŁ da Tristeza

Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor …
E nunca em meu castelo entrou alguém!

CastelĂŁ da Tristeza, vĂȘs? … A quem? …
– E o meu olhar Ă© interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pĂŽr …
Chora o silĂȘncio … nada … ninguĂ©m vem …

CastelĂŁ da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
À sombra rendilhada dos vitrais? …

À noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho? … Porque anseias? …
Que sonho afagam tuas mĂŁos reais? …

Trazes-me em Tuas MĂŁos de Vitorioso

Trazes-me em tuas mĂŁos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitĂĄria estrada perfumou.

Neste meio-dia lĂ­mpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.

O silĂȘncio, ao redor, Ă© uma asa quieta…
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cĂĄlix de tulipa entreaberta…

Cheira a ervas amargas, cheira a sĂąndalo…
E o meu corpo ondulante de sereia
Dorme em teus braços mĂĄsculos de vĂąndalo…

Outonal

Caem as folhas mortas sobre o lago!
Na penumbra outonal, nĂŁo sei quem tece
As rendas do silĂȘncio…Olha, anoitece!
— Brumas longĂ­nquas do PaĂ­s Vago…

Veludos a ondear…MistĂ©rio mago…
Encantamento…A hora que nĂŁo esquece,
A luz que a pouco e pouco desfalece,
Que lança em mim a bĂȘnção dum afago…

Outono dos crepĂșsculos doirados,
De pĂșrpuras, damascos e brocados!
— Vestes a Terra inteira de esplendor!

Outono das tardinhas silenciosas,
Das magnĂ­ficas noites voluptuosas
Em que soluço a delirar de amor…

Interrogação

A Guido Batelli

Neste tormento inĂștil, neste empenho
De tornar em silĂȘncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados Ă  garganta
Num clamor de loucura que contenho.

Ó alma de charneca sacrossanta,
IrmĂŁ da alma rĂștila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde Ă© que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!

VisÔes de mundos novos, de infinitos,
CadĂȘncias de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!

Dize que mĂŁo Ă© esta que me arrasta?
NĂłdoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que Ă© que eu tenho sede e fome?!

Tarde Demais…

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mĂĄgico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
PĂŽs-se o silĂȘncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que nĂŁo pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
PĂ©s nus, olhos a rir, a boca em flor!

E hĂĄ cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!…”

A Um Livro

No silĂȘncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mĂĄgoas que me deste.

Estranho livro que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste Ă© meu, e salma
As oraçÔes que choro e rio e canto!…

Poeta igual a mim, ai quem me dera
Dizer o que tu dizes!… Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto!…