Sonetos sobre Universais de Antero de Quental

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Sonetos de universais de Antero de Quental. Leia este e outros sonetos de Antero de Quental em Poetris.

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.

Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razão por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silêncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povôa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.

Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N’esta viagem pelo ermo espaço,

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Espiritualismo

I

Como um vento de morte e de ruína,
A Dúvida soprou sobre o Universo.
Fez-se noite de súbito, imerso
O mundo em densa e algida neblina.

Nem astro já reluz, nem ave trina,
Nem flor sorri no seu aéreo berço.
Um veneno subtil, vago, disperso,
Empeçonhou a criação divina.

E, no meio da noite monstruosa,
Do silêncio glacial, que paira e estende
O seu sudário, d’onde a morte pende,

Só uma flor humilde, misteriosa,
Como um vago protesto da existência,
Desabroxa no fundo da Consciência.

II

Dorme entre os gelos, flor imaculada!
Luta, pedindo um ultimo clarão
Aos sóis que ruem pela imensidão,
Arrastando uma auréola apagada…

Em vão! Do abismo a boca escancarada
Chama por ti na gélida amplidão…
Sobe do poço eterno, em turbilhão,
A treva primitiva conglobada…

Tu morrerás também. Um ai supremo,
Na noite universal que envolve o mundo,
Ha-de ecoar, e teu perfume extremo

No vácuo eterno se esvairá disperso,
Como o alento final d’um moribundo,
Como o último suspiro do Universo.

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Contemplação

Sonho de olhos abertos, caminhando
Não entre as formas já e as aparências,
Mas vendo a face imóvel das essências,
Entre idéias e espíritos pairando…

Que é o mundo ante mim? fumo ondeando,
Visões sem ser, fragmentos de existências…
Uma névoa de enganos e impotências
Sobre vácuo insondável rastejando…

E d’entre a névoa e a sombra universais
Só me chega um murmúrio, feito de ais…
É a queixa, o profundíssimo gemido

Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim só presentido…