A Inevitabilidade das RevoluçÔes
As revoluçÔes nĂŁo sĂŁo factos que se aplaudam ou que se condenem. Havia nisso o mesmo absurdo que em aplaudir ou condenar as evoluçÔes do Sol. SĂŁo factos fatais. TĂȘm de vir. De cada vez que vĂȘm Ă© sinal de que o homem vai alcançar mais uma liberdade, mais um direito, mais uma felicidade. Decerto que os horrores da revolução sĂŁo medonhos, decerto que tudo o que Ă© vital nas sociedades, a famĂlia, o trabalho, a educação, sofrem dolorosamente com a passagem dessa trovoada humana. Mas as misĂ©rias que se sofrem com as opressĂ”es, com os maus regĂmens, com as tiranias, sĂŁo maiores ainda. As mulheres assassinadas no estado de prenhez e esmagadas com pedras, quando foi da revolução de 93, Ă© uma coisa horrĂvel; mas as mulheres, as crianças, os velhos morrendo de frio e de fome, aos milhares nas ruas, nos Invernos de 80 a 86, por culpa do Estado, e dos tributos e das finanças perdidas, e da fome e da morte da agricultura, Ă© pior ainda. As desgraças das revoluçÔes sĂŁo dolorosas fatalidades, as desgraças dos maus governos sĂŁo dolorosas infĂąmias.
Passagens sobre Frio
353 resultadosVisio
Eras pĂĄlida. E os cabelos,
Aéreos, soltos novelos,
Sobre as espĂĄduas caĂam…
Os olhos meio cerrados
De volĂșpia e de ternura
Entre lĂĄgrimas luziam…
E os braços entrelaçados,
Como cingindo a ventura,
Ao teu seio me cingiam…Depois, naquele delĂrio,
Suave, doce martĂrio
De pouquĂssimos instantes,
Os teus lĂĄbios sequiosos,
Frios, trĂȘmulos, trocavam
Os beijos mais delirantes,
E no supremo dos gozos
Ante os anjos se casavam
Nossas almas palpitantes…Depois… depois a verdade,
A fria realidade,
A solidĂŁo, a tristeza;
Daquele sonho desperto,
Olhei… silĂȘncio de morte
Respirava a natureza â
Era a terra, era o deserto,
Fora-se o doce transporte,
Restava a fria certeza.Desfizera-se a mentira:
Tudo aos meus olhos fugira;
Tu e o teu olhar ardente,
LĂĄbios trĂȘmulos e frios,
O abraço longo e apertado,
O beijo doce e veemente;
Restavam meus desvarios,
E o incessante cuidado,
E a fantasia doente.E agora te vejo. E fria
TĂŁo outra estĂĄs da que eu via
Naquele sonho encantado!
Esta Velha AngĂșstia
Esta velha angĂșstia,
Esta angĂșstia que trago hĂĄ sĂ©culos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lågrimas, em grandes imaginaçÔes,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoçÔes sĂșbitas sem sentido nenhum.Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas nĂŁo: Ă© este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que…,
Isto.Um internado num manicÎmio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicĂŽmio sem manicĂŽmio.
Estou doido a frio,
Estou lĂșcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que sĂŁo loucura
Porque nĂŁo sĂŁo sonhos.
Estou assim…Pobre velha casa da minha infĂąncia perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que Ă© do teu menino? EstĂĄ maluco.
Que Ă© de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
EstĂĄ maluco.
Quem de quem fui? EstĂĄ maluco. Hoje Ă© quem eu sou.Se ao menos eu tivesse uma religiĂŁo qualquer!
Por exemplo,
Natal, e nĂŁo Dezembro
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presĂ©pio, num prĂ©dio, num presĂdio,
no prĂ©dio que amanhĂŁ for demolido…
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sĂtio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhÔes de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave…
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e nĂŁo Dezembro,
talvez universal a consoada.
FrĂgida
I
Balzac Ă© meu rival, minha senhora inglesa!
Eu quero-a porque odeio as carnaçÔes redondas!
Mas ele eternizou-lhe a singular beleza
E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.II
Admiro-a. A sua longa e plĂĄcida estatura
ExpÔe a majestade austera dos invernos.
NĂŁo cora no seu todo a tĂmida candura;
Dançam a paz dos céus e o assombro dos infernos.III
Eu vejo-a caminhar, fleumĂĄtica, irritante,
Numa das mĂŁos franzindo um lençol de cambraia!…
NinguĂ©m me prende assim, fĂșnebre, extravagante,
Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!IV
Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
Mas nunca a fitarei duma maneira franca;
Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,
Ă, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!V
Pudesse-me eu prostar, num meditado impulso,
à gélida mulher bizarramente estranha,
E trĂȘmulo depor os lĂĄbios no seu pulso,
Entre a macia luva e o punho de bretanha!…VI
Cintila ao seu rosto a lucidez das jĂłias.
Ao encarar consigo a fantasia pasma;
Asas Abertas
As asas da minh’alma estĂŁo abertas!
Podes te agasalhar no meu Carinho,
Abrigar-te de frios no meu Ninho
Com as tuas asas trĂȘmulas, incertas.Tu’alma lembra vastidĂ”es desertas
Onde tudo Ă© gelado e Ă© sĂł espinho.
Mas na minh’alma encontrarĂĄs o Vinho
e as graças todas do Conforto certas.Vem! Hå em mim o eterno Amor imenso
Que vai tudo florindo e fecundando
E sobe aos cĂ©us como sagrado incenso.Eis a minh’alma, as asas palpitando
Com a saudade de agitado lenço
o segredo dos longes procurando…
IntangĂvel
Quero-te como quero Ă abĂłbada nocturna,
Ă vazo de tristeza, Ăł grande taciturna!
E tanto mais te quero, Ăł minha bem amada,
Por te ver a fugir, mostrado-te empenhada
Em fazer aumentar, irĂłnica, a distĂąnciaQue me separa a mim da celestial estĂąncia.
Bem a quero atingir, a abĂłbada estrelada,
Mas, se julgo alcançar, vejo-a mais afastada!
Pois se eu adoro atĂ© – ferro monstro, acredita! –
O teu frio desdém, que te faz mais bonita!Tradução de Delfim Guimarães
Um desses frios que se tem quando se vĂȘ sem ilusĂ”es a realidade.
Frio de Abril, nas pedras vĂĄ ferir.
A Chama da Vida e o Fogo das PaixÔes
Nem sempre estar apaixonado é bom. A maior parte das paixÔes tomam conta da vontade e assumem o controlo do sentir e do pensar. Prometem a maior das libertaçÔes, mas escravizam quem desiste de si mesmo e a elas se submete.
A paixĂŁo Ă© sofrimento, um furor que Ă© o oposto da paz e do contentamento. Um vazio fulminante capaz das maiores acrobacias para se satisfazer. Mas que, como nunca se sacia, acaba por se consumir, por se destruir a si mesmo. Para ter paz precisamos de fazer esta guerra, na conquista do mais exigente de todos os equilĂbrios: entre a monotonia de nada arriscar e a imprudĂȘncia de entregar tudo sem uma vontade prĂłpria profunda. Ă essencial que saibamos desafiarmo-nos, por vezes, a um profundo desequilĂbrio momentĂąneo. Afinal, quem nunca ousa estĂĄ perdido, para sempre.
HĂĄ boas paixĂ”es. SĂŁo as que trabalham como um fermento. De forma pacata, pacĂfica e paciente. Animam, mas nĂŁo dominam. Orientam, mas nĂŁo decidem. Iluminam, mas nĂŁo cegam.Quase ninguĂ©m faz ideia da capacidade que cada um de nĂłs tem para suportar e vencer grandes sofrimentos…
Por paixÔes comuns, hå quem perca a cabeça, o coração e a alma.
A Ăgua Toda Secou AtĂ© Nos Olhos
â Meu culto ao CearĂĄ, Coração do Brasil.
O rio vai morrer, sem que nada o socorra,
sem que ninguém, jamais, bendiga o moribundo.
Morre na solidĂŁo, no silĂȘncio profundo,
e o malårico mal o mantém em modorra.A enfermidade faz que da boca lhe escorra
o limo, feito fel, viscoso e nauseabundo.
E o terror se lhe vĂȘ das Ăłrbitas ao fundo.
ParalĂtico jaz na estreitez da masmorra.Tu sĂł, tu, meu IrmĂŁo, que a misĂ©ria nĂŁo vence.
Que suportando a sede, a fome, a febre, o frio,
sem que prĂȘmio nenhum teu martĂrio compense.Poeta, herĂłi, semideus, sabes o desvario,
a sobre-humana dor, a bravura, cearense,
de quem se suicidou, vendo morrer o rio.
Tédio
Passo pålida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela Ă©! Parece morta!”
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
NĂŁo tenho um gesto, ou um olhar sequer…Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que Ă© que isso me faz? O que me importa?…
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!O que é que me importa?! Essa tristeza
Ă menos dor intensa que frieza,
Ă um tĂ©dio profundo de viver!E Ă© tudo sempre o mesmo, eternamente…
O mesmo lago plĂĄcido, dormente…
E os dias, sempre os mesmos, a correr…
Tatuagem
Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que Ă© pra te dar coragem
pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que vocĂȘ pega, esfrega, nega
Mas nĂŁo lavaEu quero brincar no teu corpo feito bailarina
Que logo te alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos mĂșsculos exaustos do teo braço
Repousa frouxa, murcha, farta
Morta de cansaçoEu quero pesar feito cruz nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem
Eu quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, ferro e fogo
Em carne vivaCoraçÔes de mãe
ArpÔes, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo mas nĂŁo sentes
O CarĂĄcter nĂŁo se Revela no muito Consumir, mas no muito Criar
A primeira regra do carĂĄcter Ă© a unidade – ou, nas palavras de Goethe, «ser um todo ou juntar-se a um todo». E a segunda, avançar, nunca recuar. Essas duas regras traçam uma linha de desenvolvimento em ascensĂŁo, da qual o homem de valor pode desviar-se numa certa medida, nĂŁo tanto, porĂ©m, que os desvios enublem a regra. No primeiro grupo de instintos, por exemplo, poderĂĄ ser admitido o da limpeza, embora seja instinto com raĂzes no impulso negativo da repugnĂąncia. «Na criança – diz Nietzsche – o senso da limpeza deve ser estimulado vivamente, porque mais tarde florirĂĄ sobre aspectos novos atĂ© Ă s alturas da virtude.» O asseio estĂĄ prĂłximo da devoção; e como Ă©, se nĂŁo hĂĄ deuses? Mas nĂŁo queremos chegar ao ascetismo de um banho frio perpĂ©tuo, nem que nos tornemos Apolos do cabelo bem penteado, nem vĂtima das manicuras; e sentiremos sempre uma secreta inveja daquele estadista teĂłlogo que nĂŁo deixava a sua ortodoxia interferir no seu apetite.
A mesma atitude tomaremos em relação Ă pugnacidade e Ă sua espora, o orgulho; temos aqui virtudes, nĂŁo vĂcios – que podamos para que se desenvolvam melhor. Nada de impetuosidade briguenta e de presunção; a presunção Ă© o orgulho da vitĂłria apenas imaginĂĄria,
Quando EstĂĄ Frio no Tempo do Frio
Quando estĂĄ frio no tempo do frio, para mim Ă© como se estivesse agradĂĄvel,
Porque para o meu ser adequado Ă existĂȘncia das cousas
O natural Ă© o agradĂĄvel sĂł por ser natural.Aceito as dificuldades da vida porque sĂŁo o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno â
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no fato de aceitar â
No fato sublimemente cientĂfico e difĂcil de aceitar o natural inevitĂĄvel.Que sĂŁo para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece
SenĂŁo o Inverno da minha pessoa e da minha vida?
O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,
Da mesma inevitĂĄvel exterioridade a mim,
Que o calor da terra no alto do VerĂŁo
E o frio da terra no cimo do Inverno.Aceito por personalidade.
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender demais,
Nunca ao erro de querer compreender sĂł corri a inteligĂȘncia,
Nunca ao defeito de exigir do Mundo
Que fosse qualquer cousa que nĂŁo fosse o Mundo.
Este Ă© um dos Lugares
Este Ă© um dos lugares (ou parte alguma?)
que nunca esperei ocupar ou ver sequer;
alheio em tudo, igual a tantos outros
que breves soube e de que nada guardo.
Um só espaço em verdade me pertence,
– meu berço, meu texto, meu legado:
a casa que Ă© a mĂŁe e viverĂĄ
enquanto eu nĂŁo abdique do seu sangue.
LĂĄ estou e serei: sou as paredes,
a escuridĂŁo que a procura e adormece,
sublimando-a tanto como a luz,
trave do seu lar frio e seu apelo,
pelas janelas vendadas defendida.
Batei Ă porta, chamai do seu jardim
devastado até não me ser senão lembrança:
lĂĄ dentro, responderei, embora aqui,
desde sempre à espera de ninguém.
Violada
PossuĂram-te nas ervas,
Deitada ao comprido
Ou lĂvida a pĂ©:
Do estupro conservas
O sangue e o gemido
Na morte da fé.Chegaste a cavalo
Trémula de espanto:
Esperavas levĂĄ-lo
Com modos de amor:
O fĂĄtum, num canto,
Violento ceifou-te
O pĂșbis em flor:
Dou-te
O acalanto
Mas nĂŁo hĂĄ palavras
Para tal horror!Vem ainda em cĂłs, mulher,
Limpa as tuas lågrimas no meu lenço:
Nem pela dor sequer
Eu te pertenço.O cavalo fugiu,
Deixou-te em fogo a fralda:
Que malfeliz RoldĂŁo
Para tal Alda!
Ao frio, ao frio,
Tinta de ti Ă© a ĂĄgua e sangue o chĂŁo.Ponta Delgada a arder
Do prĂłprio pejo, quis
Em verde converter
O incĂȘndio do teu pĂșbis.Mulher, nĂŁo me dĂȘs guerra,
Oh trĂĄgica enganada:
Tu és a minha terra
Na carne devastada
Como a Ilha queimada.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da ĂĄgua vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio
Na Tebaida
Chegas, com os olhos Ășmidos, tremente
A voz, os seios nus, como a rainha
Que ao ermo frio da Tebaida vinha
Trazer a tentação do amor ardente.Luto: porém teu corpo se avizinha
Do meu, e o enlaça como uma serpente..
Fujo: porém a boca prendes, quente,
Cheia de beijos, palpitante, Ă minha…Beija mais, que o teu beijo me incendeia!
Aperta os braços mais! que eu tenha a morte,
Preso nos laços de prisão tão doce!Aperta os braços mais, frågil cadeia
Que tanta força tem não sendo forte,
E prende mais que se de ferro fosse!
Soneto Das Alturas
As minhas esquivanças vão no vento
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar nĂŁo desĂĄgua, nem no rio.Ăs mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e frio,
e novamente ardente Ă© no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.Meu corpo nada quer, mas a minh’alma
em fogos de amplidĂŁo deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.E embora nada atinja, nĂŁo se acalma
e, sendo alma, transpÔe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefåvel e não o vento.