MĂşsica e Literatura
No MĂ©xico, enquanto escrevia «Cem Anos de SolidĂŁo» — entre 1965 e 1966 -, sĂł tive dois discos que se gastaram de tanto serem ouvidos: os PrelĂşdios de Debussy e «A hard day’s night» dos Beatles. Mais tarde, quando por fim tive em Barcelona quase tantos como sempre quis, pareceu-me demasiado convencional a classificação alfabĂ©tica e adoptei para minha comodidade privada a ordem por instrumentos: o violoncelo, que Ă© o meu favorito, de Vivaldi a Brahms; o violino, desde Corelli atĂ© Schõnberg; o cravo e o piano, de Bach a BartĂłk. AtĂ© descobrir o milagre de que tudo o que soa Ă© mĂşsica, incluĂdos os pratos e os talheres no lava-loiças, sempre que criem a ilusĂŁo de nos indicar por onde vai a vida.
A minha limitação era que não podia escrever com música porque prestava mais atenção ao que ouvia do que ao que escrevia, e ainda hoje assisto a muito poucos concertos porque sinto que na cadeira se estabelece uma espécie de intimidade um pouco impudica com vizinhos estranhos. No entanto, com o tempo e as possibilidades de ter boa música em casa, aprendi a escrever com um fundo musical de acordo com o que escrevo.
Textos sobre Cem de Gabriel GarcĂa Márquez
2 resultadosConseguir Escrever
O ofĂcio de escritor Ă© talvez o Ăşnico que se torna mais difĂcil Ă medida que mais se pratica. A facilidade com que me sentei a escrever aquele conto nĂŁo se pode comparar com o trabalho que me dá agora escrever uma página. Quanto ao meu mĂ©todo de trabalho, Ă© bastante coerente com isto que vos estou a dizer. Nunca sei quanto vou poder escrever nem o que vou escrever. Espero que me ocorra alguma coisa e, quando me ocorre uma ideia que ache boa para a escrever, ponho-me a dar-lhe voltas na cabeça e deixo-a ir amadurecendo. Quando a tenho terminada (e Ă s vezes passam muitos anos, como no caso de Cem Anos de SolidĂŁo, que passei dezanove anos a pensar), quando a tenho terminada, repito, entĂŁo sento-me a escrevĂŞ-la e Ă© aĂ que começa a parte mais difĂcil e a que mais me aborrece. Porque o mais delicioso da histĂłria Ă© concebĂŞ-la, ir arredondando-a, dando-lhe voltas e mais voltas, de maneira que na altura de nos sentarmos a escrevĂŞ-la já nĂŁo nos interessa muito, ou pelo menos a mim nĂŁo me interessa muito; a ideia que dá voltas.