Textos sobre Domínio de Agostinho da Silva

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Textos de domínio de Agostinho da Silva. Leia este e outros textos de Agostinho da Silva em Poetris.

Leia, Ouça, Veja, mas sobretudo, Pense

Se grandes invenções ou descobertas, como o fogo, a roda ou a alavanca, se fizeram antes que o homem fosse, historicamente, capaz de escrever, também se põe como fora de dúvida que mais rapidamente se avançou quando foi possível fixar inteligência em escrita, quando o saber se pôde transmitir com maior fidelidade do que oralmente, quando biblioteca, em qualquer forma, foi testamento do passado e base de arranque para o futuro. A livro se veio juntar arquivo, para o que mais ligeiro se afigurava; e fora de bibliotecas ou arquivos ficaram os milhões de páginas de discorrer ou emoção humana que mais ligeiras pareceram ainda, ou menos duradouras. Escrevendo ou lendo nos unimos para além do tempo e do espaço, e os limitados braços se põem a abraçar o mundo; a riqueza de outros nos enriquece a nós. Leia.
Milhões de homens, porém, no mundo actual estão incapacitados de escrever e de ler, muito menos porque faltam métodos e meios do que incitamento que os levante acima do seu tão difícil quotidiano e vontade de quem mais pode de que seus reais irmãos mais dependam de si próprios do que de exteriores e quase sempre enganadoras salvações. Mais se comunica falando do que de qualquer outra forma;

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As Escolas Filosóficas

Não seria mau que se tornassem a mostrar as almas e que a filosofia deixasse de ser apenas uma disciplina ensinável para voltar a constituir um engrandecimento e uma razão de vida; correria talvez melhor o mundo se escolas de existência filosófica agissem como um fermento, fossem a guarda da pura ideia, dessem um exemplo de ascetismo, de tenacidade na calma recusa da boa posição, de alegria na pobreza, de sempre desperta actividade no ataque de todas as atitudes e doutrinas que significassem diminuição do espírito, ao mesmo tempo se recusando a exercer todo o domínio que não viesse da adesão. Velas incapazes de se deixarem arrastar por ventos de acaso, seguiriam sempre, indicariam aos outros o rumo ascensional da vida, não deixando que jamais se quebrasse o ténue fio que através de todos os labirintos a Humanidade tem seguido na sua marcha para Deus. Seriam poucos, sofreriam ataques dos próprios que simpatizassem com a atitude tomada, quase só encontrariam no caminho incompreensão e maldade; mas deles seria a vitória final; já hoje mesmo provocariam o respeito.

Valem Mais as Vidas do que os Livros

Defende Cleantes a opinião de que em nada nos interessam as ideias dos homens e que acima de tudo devemos pôr o seu carácter, a honestidade e a firmeza, a independência e a lisura do seu procedimento. Se de política tratamos, Cleantes, que, por definição, é honesto, sentir-se-á muito bem representado ou muito bem governado não por aquele que, incluindo nos seus programas de eleição ou nas suas declarações ideias que perfeitamente se harmonizam com as dele, depois aparece apenas como um membro de toda a raça infinita dos que sobem por fora, mas por aquele que, tendo-o porventua irritado com a sua maneira de pensar, em seguida vem habitar a ilha minúscula dos que sobem por dentro. Se de dois candidatos que se apresentam, um está no partido contrário ao nosso mas é um honesto, seguro cidadão, e o outro se proclama correligionário, mas nos deixa dúvidas sobre a integridade moral, diz Cleantes que ninguém deve hesitar: o nosso voto deve ir para o que dá garantias de uma fiscalização séria dos negócios e não deixará que se maltrate a Justiça. Sobretudo se formos moralistas, isto é, se acreditarmos que o mundo se salvará pela moral; e, como cumpre a moralistas,

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A Hipocrisia do Amor ao Povo

Estes amam o povo, mas não desejariam, por interesse do próprio amor, que saísse do passo em que se encontra; deleitam-se com a ingenuidade da arte popular, com o imperfeito pensamento, as superstições e as lendas; vêem-se generosos e sensíveis quando se debruçam sobre a classe inferior e traduzem, na linguagem adamada, o que dela julgam perceber; é muito interessante o animal que examinam, mas que não tente o animal libertar-se da sua condição; estragaria todo o quadro, toda a equilibrada posição; em nome da estética e de tudo o resto convém que se mantenha.
Há também os que adoram o povo e combatem por ele mas pouco mais o julgam do que um meio; a meta a atingir é o domínio do mesmo povo por que parecem sacrificar-se; bate-lhes no peito um coração de altos senhores; se vieram parar a este lado da batalha foi porque os acidentes os repeliram das trincheiras opostas ou aqui viram maneira mais segura de satisfazer o vão desejo de mandar; nestes não encontraremos a frase preciosa, a afectada sensibilidade, o retoque literário; preferem o estilo de barricada; mas, como nos outros, é o som do oco tambor retórico o último que se ouve.

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A Força da Vontade

Tudo vence uma vontade obstinada, todos os obstáculos abate o homem que integrou na sua vida o fim a atingir e que está disposto a todos os sacrifícios para cumprir a missão que a si próprio se impôs. Atento ao mundo exterior, para que não falte nenhuma oportunidade de pôr em prática o pensamento que o anima, não deixa que ele o distraia da tensão interna que lhe há-de dar a vitória; tem os dotes do político e os dotes do artista, quer modelar o mundo segundo o esquema que ideou. Não se trata, claro, de um triunfo pessoal; em história da cultura não há triunfos pessoais; ou a vontade é pura e generosa, nitidamente orientada ao bem geral, ou mais cedo, mais tarde, se há-de quebrar contra vontades de progresso mais fortes que ela. Que o querer tenha sua origem e seu apoio em coração aberto à nobreza, à beleza e à justiça; de outro modo é apenas gume fino e duro de faca; por isso mesmo frágil, na sua aparente penetração e resistência. Vontade inteligente, e não manhosa, altruísta, e não virada ao sujeito, pedagógica, e não sedenta de domínio; a esta pertencem os séculos por vir: é a voz a que surgem;

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O Professor como Mestre

Não me basta o professor honesto e cumpridor dos seus deveres; a sua norma é burocrática e vejo-o como pouco mais fazendo do que exercer a sua profissão; estou pronto a conceder-lhe todas as qualidades, uma relativa inteligência e aquele saber que lhe assegura superioridade ante a classe; acho-o digno dos louvores oficiais e das atenções das pessoas mais sérias; creio mesmo que tal distinção foi expressamente criada para ele e seus pares. De resto, é sempre possível a comparação com tipos inferiores de humanidade; e ante eles o professor exemplar aparece cheio de mérito. Simplesmente, notaremos que o ser mestre não é de modo algum um emprego e que a sua actividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.
A sua contribuição terá sido mínima se o não moveu a tomar o caminho de mestre um imenso amor da humanidade e a clara inteligência dos destinos a que o espírito o chama;

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Compreensão Sábia e Activa

A primeira condição para libertar os outros é libertar-se a si próprio; quem apareça manchado de superstição ou de fanatismo ou incapaz de separar e distinguir ou dominado pelos sentimentos e impulsos, não o tomarei eu como guia do povo; antes de tudo uma clara inteligência, eternamente crítica, senhora do mundo e destruidora das esfinges; banirá do seu campo a histeria e a retórica; e substituirá a musa trágica por Platão e os geómetras.
Hei-de vê-lo depois de despido de egoísmo, atente somente aos motivos gerais; o seu bem será sempre o bem alheio; terá como inferior o que se deleita na alegria pessoal e não põe sobre tudo o serviço dos outros; à sua felicidade nada falta senão a felicidade de todos; esquecido de si, batalhará, enquanto lhe restar um alento, para destruir a ignorância e a miséria que impedem os seus irmãos de percorrer a ampla estrada em que ele marcha.
Nenhuma vontade de domínio; mandar é do mundo das aparências, tornar melhor de um sólido universo de verdades; se tiver algum poder somente o veja como um indício de que estão ainda muito baixos os homens que lho dão; incite-o o sentir-se superior a mais nobre e rude esforço para que se esbatam e percam as diferenças;

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O Pensador

Não há nenhuma vida verdadeiramente intelectual em que a polémica não seja um acidente, um desnível entre o engenho e a cultura adquirida, por um lado, e, por outro, o meio ambiente; o pensador não é, por estrutura, polemista, embora não fuja ante a polémica, nem a considere inferior; o seu domínio é no campo da paz, não entre os instrumentos de guerra; quando a batalha se oferece sabe, como o filósofo antigo, marchar com a calma e a severa repressão dos instintos que o mundo inteiro, ante a sua profissão, tem o direito de exigir; o seu dever de cidadão impõe-lhe que tome, ao ecoar da voz bárbara, a lança que defende as oliveiras sagradas e os rítmicos templos. A sua linha, porém, o fio de cumeadas por que se alongam os seus passos melhores comportam apenas uma invenção superadora, um perpétuo oferecer aos seus amigos humanos de toda a descoberta possibilidade de um caminho mais belo e mais nobre. Vê-se como um guia e um observador de horizontes que se estendam para além dos limites do mar e dos limites do céu; a sua missão é a de pôr ao alcance de todos os que novamente contemplaram os seus olhos e de os ajudar a percorrer a estrada que abriu ou desvendou;

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As Liberdades Essenciais

As liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de organização social, liberdade económica. Pela liberdade de cultura, o homem poderá desenvolver ao máximo o seu espírito crítico e criador; ninguém lhe fechará nenhum domínio, ninguém impedirá que transmita aos outros o que tiver aprendido ou pensado. Pela liberdade de organização social, o homem intervém no arranjo da sua vida em sociedade, administrando e guiando, em sistemas cada vez mais perfeitos à medida que a sua cultura se for alargando; para o bom governante, cada cidadão não é uma cabeça de rebanho; é como que o aluno de uma escola de humanidade: tem de se educar para o melhor dos regimes, através dos regimes possíveis. Pela liberdade económica, o homem assegura o necessário para que o seu espírito se liberte de preocupações materiais e possa dedicar-se ao que existe de mais belo e de mais amplo; nenhum homem deve ser explorado por outro homem; ninguém deve, pela posse dos meios de produção e de transporte, que permitem explorar, pôr em perigo a sua liberdade de Espírito ou a liberdade de Espírito dos outros. No Reino Divino, na organização humana mais perfeita, não haverá nenhuma restrição de cultura, nenhuma coacção de governo,

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A Verdadeira Coragem Humana

Se estás disposto a nunca usar da violência, e sempre resistindo, torna-te forte de corpo e de alma; é a mais difícil de todas as atitudes; exige a constante vigilância de todos os movimentos do espírito, o domínio completo de todos os impulsos dos nervos e dos músculos rebeldes; a agressão é fácil contra o medo e também a primeira solução; para que, em todos os instantes, a possas pôr de lado e substituí-la pela tranquila recusa, não te deves fiar nos improvisos; a armadura de que te revestes nos momentos de crise é forjada dia a dia e antes deles; faz-se de meditação e de ginástica, de pensamento definido e preciso e de perfeitos comandos; quando menos se prevê surge o instante da decisão; rápida e firme, sem emoções ou sufocando-as, tem que trabalhar a máquina formada.
Que trabalhar, sobretudo, humanamente; a visão do autómato é a pior de todas para os amigos do espírito; não serão teus elementos nem a secura, nem a estóica dureza, nem o ar superior, nem as cortantes palavras; requere-se no inabalável a humanidade, o sorriso afectuoso, a íntima bondade, a desportiva calma, amiga do adversário, de quem joga um bom jogo; sozinho guardarás as lutas interiores que tens de suportar,

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