Textos sobre Hoje de José Saramago

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Textos de hoje de José Saramago. Leia este e outros textos de José Saramago em Poetris.

O País é Pequeno e a Gente que nele Vive também não é Grande

Em tempos disse que Portugal estava culturalmente morto. Talvez o tenha dito em determinado momento, mas também o diria hoje porque Portugal não tem ideias de futuro, nenhuma ideia do futuro português, nem uma ideia que seja sua, e vai navegando ao sabor da corrente. A cultura, apesar de tudo, tem sobrevivido e é aquilo que pode dar do país uma imagem aberta e positiva em todos os aspectos, seja no cinema, na literatura ou na arte – temos grandes pintores que andam espalhados pelo mundo. Mas o Almeida Garrett definiu-nos de uma vez para sempre e de uma maneira que se tem de reconhecer que é uma radiografia de corpo inteiro: «O país é pequeno e a gente que nele vive também não é grande.» É tremenda esta definição, mas se tivermos ocasião de verificar, desde o tempo do Almeida Garrett e, projectando para trás, efectivamente o país é pequeno (…), mas o que está em causa não é o tamanho físico do país mas a dimensão espiritual e mental dos seus habitantes.

O Cidadão Lúcido em Vez do Consumidor Irracional

Já se sabe que não somos um povo alegre (um francês aproveitador de rimas fáceis é que inventou aquela de que «les portugais sont toujours gais»), mas a tristeza de agora, a que o Camões, para não ter de procurar novas palavras, talvez chamasse simplesmente «apagada e vil», é a de quem se vê sem horizontes, de quem vai suspeitando que a prosperidade prometida foi um logro e que as aparências dela serão pagas bem caras num futuro que não vem longe. E as alternativas, onde estão, em que consistem? Olhando a cara fingidamente satisfeita dos europeus, julgo não serem previsíveis, tão cedo, alternativas nacionais próprias (torno a dizer: nacionais, não nacionalistas), e que da crise profunda, crise económica, mas também crise ética, em que patinhamos, é que poderão, talvez — contentemo-nos com um talvez —, vir a nascer as necessárias ideias novas, capazes de retomar e integrar a parte melhor de algumas das antigas, principiando, sem prévia definição condicional de antiguidade ou modernidade, por recolocar o cidadão, um cidadão enfim lúcido e responsável, no lugar que hoje está ocupado pelo animal irracional que responde ao nome de consumidor.

A Minha Ténica Narrativa

Todas as características da minha técnica narrativa actual (eu preferiria dizer: do meu estilo) provêm de um princípio básico segundo o qual todo o «dito» se destina a ser «ouvido». Quero com isto significar que é como narrador oral que me vejo quando escrevo e que as palavras são por mim escritas tanto para serem lidas como para serem ouvidas. Ora, o narrador oral não usa pontuação, fala como se estivesse a compor música e usa os mesmos elementos que o músico: sons e pausas, altos e baixos, uns, breves ou longas, outras. Certas tendências, que reconheço e confirmo (estruturas barrocas, oratória circular, simetria de elementos), suponho que me vêm de uma certa ideia de um discurso oral tomado como música. Pergunto-me mesmo se não haverá mais do que uma simples coincidência entre o carácter inorganizado e fragmentário do discurso falado de hoje e as expressões «mínimas» de certa música contemporânea…