O Pior Medo Ă© o Medo de NĂłs PrĂłprios
O medo Ă© muitas vezes o muro que impede as pessoas de fazerem uma sĂ©rie de coisas. Claro que o medo tambĂ©m pode ser positivo, em certa medida ajuda a que se equilibrem alguns elementos e se tenham certas coisas em consideração, mas na maior parte dos casos Ă© negativo, Ă© algo que nos faz mal. (…) O pior medo Ă© o medo de nĂłs prĂłprios e a pior opressĂŁo Ă© a auto-opressĂŁo. Antes de se tentar lutar contra qualquer outra coisa, penso que Ă© importante lutarmos contra ela e conquistarmos a liberdade de nĂŁo termos medo de nĂłs prĂłprios.
Textos sobre Importantes de JosĂ© LuĂs Peixoto
5 resultadosAo Longo da Escrita deste Livro
No ano passado, em outubro, talvez a 27, sei que foi a uma terça-feira, a minha mĂŁe incentivou-me a dar um passeio. Há muito que desistiu de me dissuadir dos livros, tanto lĂŞs que treslĂŞs, mas mantĂ©m o hábito de, cuidadosa, depois de bater Ă porta com pouca força, entrar no meu quarto e perguntar: nĂŁo te apetece dar um passeio? Na maioria das vezes, nĂŁo tenho disposição para lhe responder mas, nessa tarde, estava a meio de um capĂtulo altruĂsta e decidi fazer-lhe a vontade. O volante do carro, as minhas mĂŁos a sentirem todas as pedras quase como se estivesse a deslizá-las na estrada. Estacionei no campo, a pouca distância de um grupo de homens e mulheres, botas de borracha, que estavam a apanhar azeitona. Espalhavam uma gritaria animada que nĂŁo se alterou quando saĂ do carro e me aproximei, boa tarde. Uma vantagem do meu nome Ă© que dispenso alcunha. Olha o Livro, boa tarde. O sol estava a pĂ´r-se. Troquei graças, enquanto dois homens recolheram os panões carregados debaixo da Ăşltima oliveira e os levaram Ă s costas.
Não esqueço o que vi a seguir. As mulheres dobraram os panões vazios e dispuseram-nos na terra, em forma de corredor.
A Vida de um Livro
Acredito que a vida de um livro enquanto está nas mĂŁos do autor nĂŁo Ă© mais importante do que quando está nas mĂŁos do leitor. O leitor Ă© quase sempre um autor ele prĂłprio. É ele que dá significado Ă s palavras e por isso atĂ© acho muito interessante quando as pessoas me vĂŞm apontar coisas que nĂŁo eram minha intenção, mas que de facto estĂŁo lá. E há muitas outras coisas que foram minhas intenções e que nunca ninguĂ©m me referiu, e no entanto tambĂ©m lá estĂŁo. Se calhar alguĂ©m reparou nelas ou ainda vai reparar. Tudo o que um leitor leia num livro Ă© legĂtimo porque nessa fase o leitor Ă© tudo, Ă© ele que faz o livro.
A Voz que Ouço quando Leio
Quando leio, há uma voz que lĂŞ dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas nĂŁo acredito que seja o meu olhar que lĂŞ. O meu olhar fica embaciado. É essa voz que lĂŞ. Quando Ă© sĂ©ria, ouço-a falar-me de assuntos sĂ©rios. Ă€s vezes, sussurra-me. Ă€s vezes, grita-me. Essa voz nĂŁo Ă© a minha voz. NĂŁo Ă© a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lábios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, nĂŁo me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas nĂŁo Ă© minha. NĂŁo Ă© a voz dos meus pensamentos. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas Ă© exterior a mim. É diferente de mim. Ainda assim, nĂŁo acredito que alguĂ©m possa ter uma voz que lĂŞ igual Ă minha, por isso Ă© minha mas nĂŁo Ă© minha. Mas, claro, nĂŁo posso ter a certeza absoluta. NĂŁo sĂł porque uma voz Ă© indescritĂvel, mas tambĂ©m porque nunca ninguĂ©m me tentou descrever a voz que ouve quando lĂŞ e porque eu nunca falei com ninguĂ©m da voz que ouço quando leio.
Em Tudo o que Fiz Bem Pus um Pouco de Ti
Eis o teu rosto iluminado por esta hora de maio.
Ao filho autĂŞntico, basta fechar os olhos para encontrar o rosto da sua mĂŁe.
A fronteira que separa o dentro do fora Ă© vaga de propĂłsito, mais exata Ă© a fronteira dos meses.
MĂŁe, as tardes de maio nĂŁo sĂŁo um acaso.
Pus um pouco de ti naquilo que fiz de mais importante.
Onde existir terra estás tu, dás força e horizonte.
O ar não permitiria respiração se não te contivesse.
A água nĂŁo seria capaz de alimentar sem a tua presença lĂquida.
O fogo nĂŁo chegaria a acender se nĂŁo incluĂsse o teu mistĂ©rio no seu mistĂ©rio.
Estavas já no primeiro inĂcio do firmamento, nesse rugido que encheu a superfĂcie do cĂ©u e da terra, que rasgou as trevas; da mesma maneira, estarás no seu Ăşltimo fim.
Estás antes e depois.
Estás na lenta passagem da eternidade.
MĂŁe, atravessas a vida e a morte como a verdade atravessa o tempo, como os nomes atravessam aquilo que nomeiam.
Sabes que criei tudo o que há e sabes também que não criei tudo o que poderia haver.
Entre as faltas evidentes,