O Dinheiro Tem uma Qualidade Detergente

O dinheiro tem, entre outras incontĂĄveis virtudes, uma qualidade detergente. E mĂșltiplas qualidades nutricionais. Alegra-te os belos olhos, engorda-te as bochechas, permite-te esse modo de ocupares uma poltrona, de pernas bem esticadas e jornal nas mĂŁos. DĂĄ-te essas mĂŁos impolutas que emergem dos punhos de algodĂŁo branco da camisa. JĂĄ nĂŁo Ă©s tu quem vagueia Ă  noite. Podes contratar quem capture, degole e esfole as presas que constituem os ingredientes indispensĂĄveis do cozido ou da paella dos domingos. Assim se fez sempre nas casas das boas famĂ­lias.

NĂŁo Ă© o senhor da casa que desfere o golpe fatal ao coelho, nĂŁo Ă© a senhora que crava a faca no pescoço da galinha e a depena, com o pote de barro entre as pernas, cheio de pĂŁo migado que o sangue hĂĄ de empapar como deve ser, para o rico ensopado. Aos senhores os animais chegam sempre jĂĄ cozinhados, servidos numa bandeja coberta por uma reluzente campĂąnula de prata, ou na caçarola, guarnecidos, irreconhecĂ­veis de tĂŁo desfigurados e, por isso mesmo, apetitosos na sua aparente inocĂȘncia. Assim se fez sempre, assim se continua a fazer; nĂłs prĂłprios adquirimos em poucos anos esse privilegiado estatuto, a ilusĂŁo de sermos todos senhores: em remotos pavilhĂ”es industriais,

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