Textos sobre Maior de Baltasar Gracián

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Textos de maior de Baltasar Gracián. Leia este e outros textos de Baltasar Gracián em Poetris.

Permitir-se algum Deslize

Que um descuido costuma ser às vezes a maior recomendação dos dotes. A inveja tem o seu ostracismo, tanto mais civil quanto mais criminoso; acusa o muito perfeito de pecar por não pecar, e, por ser perfeito em tudo, condena-o tudo. Faz-se Argos em busca de faltas no muito bom, para consolo ao menos. A censura, como o raio, fere o que mais se alça. Que Homero então às vezes dormite, e afecte algum descuido no engenho ou no valor, mas nunca na cordura, para sossegar a malevolência, que não rebente peçonhenta. Será como atirar a capa ao touro da inveja, para salvar a imortalidade.

Saber Subtrair-se

Pois se é grande lição de vida o saber negar, maior será saber negar-se a si mesmo, aos negócios, às pessoas. Há ocupações estranhas, carunchos do precioso tempo, e pior que nada fazer é ocupar-se com impertinências. Para ser avisado não basta não ser intrometido, é mister conseguir que não o intrometam. Não se há-de ser tanto de todos que não se seja de si mesmo. Tampouco dos amigos se há-de abusar, nem querer deles mais do que concederiam. Todo o demasiado é vicioso, muito mais no trato. Com essa prudente temperança conserva-se melhor o agrado e a estima de todos, porque não se fere a preciosíssima decência. Tenha, pois, liberdade de génio apaixonado do selecto, e nunca peque contra a fé do seu bom gosto.

Nunca Exagerar

Grande matéria de consideração é não falar por superlativos, seja para não se expor a ofender a verdade, seja para não desdourar a sua cordura. As exagerações são prodigalidades do estimar, que dão início de curteza de conhecimento e gosto. A louvação desperta viva curiosidade, pica o desejo, mas depois, não equivalendo o valor ao apreço, como de ordinário acontece, a expectativa volta-se contra o engano e desforra-se no menosprezo pelo celebrado e por quem celebrou. Anda, pois, o cordo bem devagar, e mais quer pecar pelo pouco que pelo muito. Raras são as eminências: modere-se a estimativa. O encarecer é parente do mentir, e nele se perde o crédito de bom gosto, que é grande, e o de douto, que é maior.

Gosto Relevante

Toda a boa capacidade é difícil de contentar. Há cultura do gosto, assim como do engenho. Relevantes ambos, são irmãos de um mesmo ventre, filhos da capacidade, herdados por igual na excelência. Engenho sublime nunca criou gosto rasteiro.
Há perfeições como sóis e há perfeições como luzes. Galanteia a águia o sol, perde-se nele a mariposa pela luz de uma candeia e toma-se a altura a uma torrente pela elevação do gosto. Tê-lo bom é já algo, tê-lo relevante muito é. Ligam-se os gostos à comunicação, e só por sorte se avista quem o tenha superlativo.
Têm muitos por felicidade (de empréstimo será) gozar do que lhes apetece, condenando a infelizes todos os demais; mas desforram-se estes com as mesmas linhas, assim se podendo ver uma metade do mundo rindo-se da outra, com maior ou menor necessidade.
É qualidade um gosto crítico, um paladar difícil de satisfazer; os mais valentes objectos temem-no e as mais seguras perfeições receiam-no. É a avaliação preciosíssima, e regateá-la é próprio de discretos; toda a escassez em moeda de aplauso é fidalga e, ao contrário, os desperdícios de estima merecem castigo de desprezo.
A admiração é vulgarmente um manifesto da ignorância;

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Moderar as Expectativas

Ordinário desaire de tudo o que é muito celebrado antes é não chegar depois ao excesso do que foi concebido. Nunca o verdadeiro pôde alcançar o imaginado, porque fingir perfeições é fácil; difícil é consegui-las. Casa-se a imagi­nação com o desejo e concebe sempre muito mais do que as coisas são. Por maiores que sejam as excelências, não bastam para satisfazer o conceito, e, se o enganam com exorbitante expectação, é mais rápido o desengano que a admiração. A esperança é grande falsificadora da verdade: que a cordura a corrija, fazendo que a fruição seja superior ao desejo. Princípios de crédito servem para despertar a curiosidade, não para empenhar o obje­cto. Melhor resulta quando a realidade excede o conceito e é mais do que se acreditou. Essa regra faltará no que é mau, pois ajuda-o a própria exageração; desmente-a o aplauso, chegando a parecer tolerável o que se temeu ser ruim ao extremo.

Atenção ao Informar-se

Vive-se o mais de informação: o que vemos é o menos; vivemos da fé alheia: o ouvido é a segunda porta da verdade e a principal da mentira. A verdade de ordinário se vê; extraordinariamente se ouve; raras vezes chega no seu elemento puro, muito menos quando vem de longe; traz sempre alguma mistura de afectos por onde passa; a paixão tinge com as suas cores tudo o que toca, seja odiosa, seja favorável; puxa sempre a impressionar; muito cuidado com quem gaba, maior ainda com quem desgaba. É mister toda a atenção nesse ponto para descobrir a intenção de quem medeia, conhecendo de antemão por que razões é movido. Que a reflexão seja contraste do falto e do falso.

A Armadilha do Empenho

Fugir dos empenhos é das primeiras máximas da prudência. Nas grandes capacidades há sempre grandes distâncias, até aos últimos detalhes do término. Há muito para andar de um extremo ao outro, e eles estão sempre inebriados pela sua boa conduta: chegam tarde ao rompimento, pois é mais fácil furtar-se à ocasião perigosa do que se sair bem dela. Nas tentações do juízo, mais seguro é fugir do que vencer. Um empenho traz outro maior e está perto do despenho. Há homens que, por génio e mesmo por inclinação, metem-se em obrigações, mas quem caminha à luz da razão sempre vai com muita consideração. Estima-se ter mais valor o não se empenhar que o vencer, e, já que há um tolo profiado, escusa-se que com ele sejam dois.

O Caminho para se Tornar um Homem de Valor

O caminho para se tornar um homem de valor passa por saber rodear-se. É muito eficaz o trato humano; comunicam-se os costumes e os gostos, nele se transmite o génio e também o engenho, sem sentir. Por isso, procure o ágil juntar-se ao comedido, e assim os demais génios; com isso conseguirá a temperança sem constrangimento. É de grande destreza saber temperar-se. A alternância de contrários aformoseia o universo e o sustenta, e, se causa harmonia no que é natural, maior ainda no que é moral. Valha-se dessa sagaz advertência na escolha de amigos e de fâmulos, pois com a comunicação dos extremos se há-de ajustar um meio razoável.