Do Outro Lado
Também eu já me sentei algumas vezes às portas do crepúsculo, mas quero dizer-te que o meu comércio não é o da alma, há igrejas de sobra e ninguém te impede de entrar. Morre se quiseres por um deus ou pela pátria, isso é contigo; pode até acontecer que morras por qualquer coisa que te pertença, pois sempre pátrias e deuses foram propriedade apenas de alguns, mas não me peças a mim, que só conheço os caminhos da sede, que te mostre a direcção das nascentes.
Textos sobre Ninguém de Eugénio de Andrade
3 resultadosSĂlaba sobre SĂlaba
Aprendo uma gramática de exĂlio, nas vertentes do silĂŞncio. É uma aprendizagem que requer pernas rijas e mĂŁo segura, coisas de que já nĂŁo me posso gabar, mas embora precárias, sempre as minhas mĂŁos foram animais de paciĂŞncia, e as pernas, essas ainda vĂŁo trepando pelos dias sem ajuda de ninguĂ©m. Sem o desembaraço de muitos, mas tirando partido dos variados acidentes da pedra, que conheço bem, lá vou pondo sĂlaba sobre sĂlaba. Do nascer ao pĂ´r do sol.
As MĂŁes
Quando voltar ao Alentejo as cigarras já terĂŁo morrido. Passaram o verĂŁo todo a transformar a luz em canto – nĂŁo sei de destino mais glorioso. Quem lá encontraremos, pela certa, sĂŁo aquelas mulheres envolvidas na sombra dos seus lutos, como se a terra lhes tivesse morrido e para todo o sempre se quedassem ĂłrfĂŁs. NĂŁo as veremos apenas em Barrancos ou em Castro Laboreiro, elas estĂŁo em toda a parte onde nasça o sol: em CĂłria ou Catania, em Mistras ou Santa Clara del Cobre, em Varchats ou Beni Mellal, porque elas sĂŁo as MĂŁes. O olhar esperto ou sonolento, o corpo feito um espeto ou mal podendo com as carnes, elas sĂŁo as MĂŁes. A tua; a minha, se nĂŁo tivera morrido tĂŁo cedo, sem tempo para que o rosto viesse a ser lavrado pelo vento. Provavelmente estĂŁo aĂ desde a primeira estrela. E como duram! Feitas de urze ressequida, parecem imortais. Se o nĂŁo forem, sĂŁo pelo menos incorruptĂveis, como se participassem da natureza do fogo. Com mĂŁos friáveis teceram a rede dos nossos sonhos, alimentaram-nos com a luz coada pela obscuridade dos seus lenços. Ă€s vezes encostam-se Ă cal dos muros a ver passar os dias,