Textos sobre Olhos de Afonso Cruz

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Textos de olhos de Afonso Cruz. Leia este e outros textos de Afonso Cruz em Poetris.

Um Homem Possui TrĂŞs EstĂ´magos

– Há muitos tipos dc comida — disse o coronel Mõller enquanto abanava o filho.- Um homem possui trĂŞs estĂ´magos: um na barriga, outro no peito e outro na cabeça. O da barriga, toda a gente sabe para que serve; o do peito mastiga a respiração, que Ă© a nossa comida mais urgente. Uma pessoa morre sem ar muito mais depressa do que sem água e pĂŁo. E por fim há o estĂ´mago da cabeça, que se alimenta de palavras e de letras. Os primeiros dois estĂ´magos do homem alimentam-se atravĂ©s da boca c do nariz, ao passo que o terceiro estĂ´mago se alimenta principalmente atravĂ©s dos olhos e dos ouvidos, apesar de usar tudo o resto dc um modo mais subtil.
— Para mim — disse o mordomo —, as palavras são uma grande palermice.

Quando Somos Felizes

– Parece-me uma grande felicidade que, quando se olhe para o mundo, pareça sempre que Ă© a primeira vez que o fazemos.
– É uma grande tristeza — disse ela a soluçar.
– É a maior infelicidade. Eu, quando olho para as coisas quero que elas me sejam familiares, como o meu tio e o meu marido, como o pĂŁo que se come Ă s refeições. Quero deitar-me sempre com o mesmo homem, com os mesmos lábios. Quero que os lençóis de hoje me pareçam os lençóis de ontem, mesmo que os bordados sejam completamente diferentes. NĂŁo quero que os beijos que recebo sejam novos, quero que sejam velhos, quero que sejam os de sempre. NĂŁo me quero sobressaltar como quando era jovem. Uma pessoa sĂł pode ter paz quando está ao pĂ© das mesmas coisas, quando nem repara nelas, porque elas já fazem parte de si, como se as tivesse comido e mastigado e engolido e agora fossem carne da sua carne e sangue do seu sangue. SĂł somos felizes quando já nĂŁo sentimos os sapatos nos pĂ©s.