A Mentira é a Base da Civilização Moderna
É na faculdade de mentir, que caracteriza a maior parte dos homens actuais, que se baseia a civilização moderna. Ela firma-se, como tão claramente demonstrou Nordau, na mentira religiosa, na mentira política, na mentira económica, na mentira matrimonial, etc… A mentira formou este ser, único em todo o Universo: o homem antipático.
Actualmente, a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático; disfarçou-se nestes nomes, julgando assim passar incógnita. A máscara deu-lhe prestígio, tornando-a misteriosa, e portanto, respeitada. De forma que a mentira, como ordem social, pode praticar impunemente, todos os assassinatos; como utilitarismo, todos os roubos; como senso prático, todas as tolices e loucuras.
A mentira reina sobre o mundo! Quase todos os homens são súbditos desta omnipotente Majestade. Derrubá-la do trono; arrancar-lhe das mãos o ceptro ensaguentado, é a obra bendita que o Povo, virgem de corpo e alma, vai realizando dia a dia, sob a direcção dos grandes mestres de obras, que se chamam Jesus, Buda, Pascal, Spartacus, Voltaire, Rousseau, Hugo, Zola, Tolstoi, Reclus, Bakounine, etc. etc. …
E os operários que têm trabalhado na obra da Justiça e do Bem, foram os párias da Índia, os escravos de Roma, os miseráveis do bairro de Santo António,
Textos sobre Pão
54 resultadosÉ Mais Simples e Mais Útil Adaptar-se Aos Outros
Supondo que só existiam hoje dois homens na terra que a possuissem sozinhos, e a dividam entre si, estou convencido de que nascerá logo entre eles algum motivo de discórdia, nem que seja pelos limites. Às vezes é mais simples e mais útil adaptar-se aos outros do que fazer os outros se adaptarem a nós.
(…) Há uma coisa que nunca se viu sob o céu e segundo todas as aparências, nunca se verá: é uma cidade pequena que não esteja dividida em partidos; onde as famílias sejam unidas e os primos se vejam com confiança; onde um casamento não gere guerra civil; onde a querela dos partidos não desperte a todo o momento, por fraude, incenso e pão bento, procissões e enterros; de onde se baniram os linguarudos, a mentira e a maledicência: onde se vejam falar juntos o juiz e o presidente da câmara, os eleitores e os assessores; onde o deão viva bem com o cónego, onde os cónegos não desdenhem os capelães e estes suportem os padres-mestres.
Os provincianos e os tolos estão sempre prontos a se zangarem e a pensarem que se está a zombar deles, ou a desprezá-los; nunca se deve arriscar uma brincadeira,
Felicidade e Prazer
Devemos estudar os meios de alcançar a felicidade, pois, quando a temos, possuímos tudo e, quando não a temos, fazemos tudo por alcançá-la. Respeita, portanto, e aplica os princípios que continuadamente te inculquei, convencendo-te de que eles são os elementos necessários para bem viver. Pensa primeiro que o deus é um ser imortal e feliz, como o indica a noção comum de divindade, e não lhe atribuas jamais carácter algum oposto à sua imortalidade e à sua beatitude. Habitua-te, em segundo lugar, a pensar que a morte nada é, pois o bem e o mal só existem na sensação. De onde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte nada ser nos permite fruir esta vida mortal, poupando-nos o acréscimo de uma ideia de duração eterna e a pena da imortalidade. Porque não teme a vida quem compreende que não há nada de temível no facto de se não viver mais. É, portanto, tolo quem declara ter medo da morte, não porque seja temível quando chega, mas porque é temível esperar por ela.
É tolice afligirmo-nos com a espera da morte, visto ser ela uma coisa que não faz mal, uma vez chegada. Por conseguinte, o mais pavoroso de todos os males,
Conta Comigo Sempre
Conta comigo sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota de sangue. Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas vezes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio, outras tantas tempestade. A nossa memória é um mistério, recordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na qual consigo distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé.
O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que mastigam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada das pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se aninha no coração e se alimenta de amor, esse amor acima do desejo, bem acima do sofrimento.
Conta comigo sempre. Piso as mesmas pedras que tu pisas, ergo-me da face da mesma moeda em que te reconheço, contigo quero festejar dias antigos e os dias que hão-de vir, contigo repartirei também a minha fome mas, e sobretudo, repartirei até o que é indivisível. Tu sabes onde estou.
Sabes como me chamo. Estarei presente quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a hora decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua antiga coragem vacilar.
És como o Ar que Respiro
Qual é a força extraordinária que possuis? — pergunto muitas vezes a mim mesmo. Dois ou três princípios cristãos inabaláveis — e por trás milhares de seres que desapareceram ignorados, cumprindo a vida ignorada. Nem sequer se debateram. Entregaram-se. Confiaram. A mulher portuguesa comunica ao lar a ternura com que os pássaros aquecem o ninho. Sua vida dá luz, para alumiar os outros. Foi assim com tão pequenos meios, que me ensinaste. Com uma palavra e mais nada, com um simples olhar, com silêncio e mais nada. Uma atitude fazia-me pensar. E mal sabes tu quando Os teus dedos ágeis trabalhavam a meu lado, teciam ao mesmo tempo o pano grosso de casa e a nossa vida espiritual.
E como tu milhares de seres têem cumprido a vida em silêncio, aceitando-a sem exageros. Nas mãos das mulheres até as coisas vulgares que se fazem na aldeia, cozer o pão, lançar a teia — assumem um carácter sagrado. Elas passam desconhecidas e dispõem dum poder extraordinário. Mantêem a vida ordenada com um sorriso tímido. A mulher está mais perto que nós da natureza e de Deus.
Cada vez me aproximo mais de ti. O que há de puro em mim a ti o devo.
O Prazer e a Dor
O prazer e a dor não conhecem a duração. A sua natureza é dissiparem-se rapidamente e, por conseguinte, só existirem sob a condição de ser intermitente. Um prazer prolongado cessa logo de ser um prazer e uma dor continua logo se atenua. A sua diminuição pode mesmo, por confronto, tornar-se um prazer. O prazer só é, pois, um prazer sob a condição de ser descontínuo. O único prazer um pouco durável é o prazer não realizado, ou desejo.
O prazer somente é avaliável pela sua comparação com a dor. Falar de prazer eterno é um contra-senso, como justamente observou Platão. Ignorando a dor, os deuses não podem, segundo Platão, ter prazer. A descontinuidade do prazer e da dor representa a conseqüência dessa lei fisiológica: “A mudança é a condição da sensação”. Não percebemos os estados contínuos, porém as diferenças entre estados simultâneos ou sucessivos. O tique-taque do relógio mais ruidoso acaba, no fim de algum tempo, por não ser mais ouvido, e o moleiro não será despertado pelo ruído das rodas do seu moinho, mas pelo seu parar.É em virtude dessa descontinuidade necessária que o prazer prolongado cessa logo de ser um prazer, porém uma coisa neutra,
Os Descrentes
Nunca encontrei um descrente, apenas desvairados inquietos… é assim que é melhor tratá-los. São pessoas diferentes, não se percebe bem o que são: tanto os grandes como os pequenos, os ignorantes como os cultos, mesmo a gente da classe mais simples, tudo neles é desvario. Porque passam a vida a ler e a interpretar e depois, fartos da doçura livresca, continuam perplexos e não conseguem resolver nada.
Há quem se disperse, de maneira que não consegue atentar em si mesmo. Há quem seja rijo como pedra, mas no seu coração vagueiam sonhos. Há também o insensível e fútil que só quer gozar e ironizar. Há quem só tire dos livros florinhas, e mesmo elas consoante a sua opinião, e há nele desvario e falta de perspicácia. E digo mais: há muito tédio.
O homem pequeno é necessitado, não tem pão, não tem com que sustentar os filhos, dorme na palha áspera, mas tem o coração leve e alegre; é pecador e malcriado, mas mantém na mesma o coração alegre. E o homem grande farta-se de comer e beber, senta-se num montão de ouro, mas tem sempre a mágoa no coração. Há quem domine as ciências mas não se livre do tédio.
O Poeta não é um Pequeno Deus
O poeta não é um «pequeno deus». Não, não é um «pequeno deus». Não está amrcado por um destino cabalístico superior ao de quem exerce outros misteres e ofícios. Exprimi amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se julga deus. Cumpre a sua majestosa e humilde tarefa de amassar, levar ao forno, dourar e entregar o pão de cada dia, com uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a atingir essa simples consciência, a simples consciência também se pode converter em parte de uma artesania colossal, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos.
Se o poeta se incorpora nessa nunca consumida luta para cada um confiar nas mãos dos outros a sua ração de compromisso, a sua dedicação e a sua ternura pelo trabalho comum de cada dia e de todos os homens, participa no suor, no pão, no vinho, no sonho de toda a humanidade. Só por esse caminho inalienável de sermos homens comuns conseguiremos restituir à poesia o vasto espaço que lhe vão abrindo em cada época,
Um Homem Possui Três Estômagos
– Há muitos tipos dc comida — disse o coronel Mõller enquanto abanava o filho.- Um homem possui três estômagos: um na barriga, outro no peito e outro na cabeça. O da barriga, toda a gente sabe para que serve; o do peito mastiga a respiração, que é a nossa comida mais urgente. Uma pessoa morre sem ar muito mais depressa do que sem água e pão. E por fim há o estômago da cabeça, que se alimenta de palavras e de letras. Os primeiros dois estômagos do homem alimentam-se através da boca c do nariz, ao passo que o terceiro estômago se alimenta principalmente através dos olhos e dos ouvidos, apesar de usar tudo o resto dc um modo mais subtil.
— Para mim — disse o mordomo —, as palavras são uma grande palermice.
Os Artistas Verdadeiros não Têm Ideologia
Dia entre pescadores. Eles a pescarem sardinha para a fome orgânica do corpo, e eu a pescar imagens para uma necessidade igual do espírito. Tisnados de saúde, os homens olham-me; e eu, amarelo de doença, olho-os também. Certamente que se julgam mais justificados do que eu, e que o mundo inteiro lhes dá razão. Mas da mesma maneira que eles, sem que ninguém lhes peça sardinha, se metem às ondas, também eu, sem que ninguém me peça poesia, me lanço a este mar da criação. Há uma coisa que nenhuma ideologia pode tirar aos artistas verdadeiros: é a sua consciência de que são tão fundamentais à vida como o pão. Podem acusá-los de servirem esta ou aquela classe. Pura calúnia. É o mesmo que dizer que uma flor serve a princesa que a cheira. O mundo não pode viver sem flores, e por isso elas nascem e desabrocham. Se olhos menos avisados passam por elas e as não podem ver, a traição não é delas, mas dos olhos, ou de quem os mantém cegos e incultos.
Venda da Alma e Venda do Corpo
Não só as mulheres que casam sem amor, mas apenas por conveniência; não só as esposas que continuam a comer o pão daquele que já não amam e enganam; não só as mulheres se prostituem. É prostituto o escritor que coloca a pena ao serviço das ideias em que não crê; o advogado que defende causas que reconhece injustas; quem finge a adesão aos mitos e interesses dos poderosos para obter recompensas materiais e morais; o actor e o bobo que se expõem diante dos idiotas pagantes para arrecadar aplausos e dinheiro; o poeta que abre aos estranhos os segredos da sua alma, amores e melancolias, para obter em compensação um pouco de fama, de dinheiro ou de compaixão; e, acima de tudo, é prostituto o político, o demagogo, o tribuno que todos devem acariciar, seduzir, a todos promete favores e felicidade e a todos se entrega por amor à popularidade – justamente chamado homem público, quase irmão de toda a mulher pública.
Mas quem de entre nós, pelo menos um dia da sua vida, não simulou um sentimento que não tinha e um entusiasmo que não sentia e repetiu uma opinião falsa para obter compensações, cumplicidades, sorrisos ou benefícios?
O Ciclo do Progresso
Da sociedade e do luxo que ela engendra, nascem as artes liberais e mecânicas, o comércio, as letras, e todas essas inutilidades que fazem florescer a indústria, enriquecem e perdem os Estados. A razão desse deperecimento é muito simples. É fácil ver que, pela sua natureza, a agricultura deve ser a menos lucrativa de todas as artes, porque, sendo o seu produto de uso mais indispensável para todos os homens, o preço deve estar proporcionado às faculdades dos mais pobres. Do mesmo princípio pode-se tirar a regra de que, em geral, as artes são lucrativas na razão inversa da sua utilidade, e de que as mais necessárias, finalmente, devem tornar-se as mais negligenciadas. Por ai se vê o que se deve pensar das verdadeiras vantagens da indústria e do efeito real que resulta dos seus progressos. Tais são as causas sensíveis de todas as misérias em que a opulência precipita, finalmente, as nações mais admiradas.
À medida que a indústria e as artes se estendem e florescem, o cultivador desprezado, carregado de impostos necessários à manutenção do luxo, e condenado a passar a vida entre o trabalho e a fome, abandona o campo para ir procurar na cidade o pão que devia levar para lá.
Se Penso, Existo
Se penso, existo; se falo, existo para os outros, com os outros.
A necessidade é o lugar do encontro. Procuro os outros para me lembrar que existo. E existo, porque os outros me reconhecem como seu igual. Por isso, a minha vida é parte de outras vidas, como um sorriso é parte de uma alegria breve.
Breve é a vida e o seu rasto. A posteridade é apenas a memória acesa de uma vela efémera. Para que a memória não se apague, temos que nos dar uns aos outros, como elos de uma corrente ou pedras de uma catedral.
A necessidade de sobrevivência é o pão da fraternidade.
O futuro é uma construção colectiva.
Boa e Má Literatura
O que acontece na literatura não é diferente do que acontece na vida: para onde quer que se volte, depara-se imediatamente com a incorrigível plebe da humanidade, que se encontra por toda a parte em legiões, preenchendo todos os espaços e sujando tudo, como as moscas no verão.
Eis a razão do número incalculável de livros maus, essa erva daninha da literatura que tudo invade, que tira o alimento do trigo e o sufoca. De facto, eles arrancam tempo, dinheiro e atenção do público – coisas que, por direito, pertencem aos bons livros e aos seus nobres fins – e são escritos com a única intenção de proporcionar algum lucro ou emprego. Portanto, não são apenas inúteis, mas também positivamente prejudiciais. Nove décimos de toda a nossa literatura actual não possui outro objectivo senão o de extrair alguns táleres do bolso do público: para isso, autores, editores e recenseadores conjuraram firmemente.
Um golpe astuto e maldoso, porém notável, é o que teve êxito junto aos literatos, aos escrevinhadores que buscam o pão de cada dia e aos polígrafos de pouca conta, contra o bom gosto e a verdadeira educação da época, uma vez que eles conseguiram dominar todo o mundo elegante,
A Essência do Fanatismo
A essência do fanatismo consiste em considerar determinado problema como tão importante que ultrapasse qualquer outro. Os bizantinos, nos dias que precederam a conquista turca, entendiam ser mais importante evitar o uso do pão ázimo na comunhão do que salvar Constantinopla para a cristandade. Muitos habitantes da península indiana estão dispostos a precipitar o seu país na ruína por divergirem numa questão importante: saber se o pecado mais detestável consiste em comer carne de porco ou de vaca. Os reaccionários amercianos prefiririam perder a próxima guerra do que empregar nas investigações atómicas qualquer indivíduo cujo primo em segundo grau tivesse encontrado um comunista nalguma região. Durante a Primeira Guerra Mundial, os escoceses sabatários, a despeito da escassez de víveres provocada pela actividade dos submarinos alemães, protestavam contra a plantação de batatas ao domingo e diziam que a cólera divina, devido a esse pecado, explicava os nossos malogros militares. Os que opõem objecções teológicas à limitação dos nascimentos, consentem que a fome, a miséria e a guerra persistam até ao fim dos tempos porque não podem esquecer um texto, mal interpretado, do Génese. Os partidários entusiastas do comunismo, tal como os seus maiores inimigos, preferem ver a raça humana exterminada pela radioactividade do que chegar a um compromisso com o mal –
O Necessário não é Propriamente um Bem
Toda a vida, em meu entender, é uma mentira: já que és tão engenhoso, critica-a e recondu-la ao caminho da verdade. Ela considera como necessárias coisas que em grande parte não passam de supérfluas; e mesmo as que não são supérfluas não contribuem em nada para nos dar bem estar e felicidade. Pelo facto de ser necessária, uma coisa não é, desde logo, um bem; ou então degradamos o conceito de «bem», dando este nome ao pão, à polenta e a tudo o mais imprescindível à vida. Tudo o que é bem, é, por isso mesmo, necessário, mas o que é necessário não é forçosamente um bem: há muita coisa necessária e, simultaneamente, de baixo nível.
Ninguém é tão ignorante da dignidade do bem que degrade o conceito ao nível dos objectos de uso diário. Pois bem, não seria melhor que te aplicasses antes a mostrar todo o tempo que se perde na busca de superfluidades, a apontar como tanta gente desperdiça a vida na busca do que não passa de meios auxiliares? Observa os indivíduos, considera a sociedade: todos vivem em função do amanhã! Não sabes que mal há nisto? O maior possível. Essa gente não vive, espera viver,
A Forma como me Amas, Mãe
Há qualquer coisa de Deus na forma como me amas, mãe.
As pessoas não são tão grandes como tu, as pessoas não aguentam tanto a vida como tu. As pessoas choram, as pessoas sofrem, as pessoas passam pela vida à procura da melhor maneira de viver. Mas tu amas-me, mãe. Tu amas-me assim, sem condições, e parece que quando me amas nem sequer existes. Apenas ficas ali, a ver-me existir, e é assim que descobres e me ensinas que a vida se resume a ver quem amas viver.Há qualquer coisa de impossível na forma como me amas, mãe.
O possível teria de exigir que parasses quando te dói, que parasses quando o mundo, filho da puta do mundo, te obriga a inventares novas maneiras de me dares tudo o que eu preciso. O possível iria dizer-te que não, que uma só pessoa, tão pequena e tão grande como tu, não pode suportar todo o peso de duas vidas. E tu ainda aí estás, tão forte como só tu, tão impossível como só tu, a sorrir quando me vês de caderno na mão a dizer que sou o melhor aluno da turma. É claro que é bom ser bom aluno,
O Amor é Inevitável
(O Amor) É inevitável, faz parte da combustão da natureza, é força, mar, elemento, água, fogo, destruição, é atmosfera, respira-se, quando se morre abandona-se, o amor deixa, fica isolado, é um elemento, come-se, bebe-se, sustenta pão, pão diário para rico e pobre, pão que ilumina o forno do amassador, aparece nas condições mais estranhas, bicho que nasce, copula dentro de si mesmo, paira, espermatozóide e óvulo, as duas coisas ao mesmo tempo, amor é assim outro elemento fundamental da natureza, as pessoas vivem tanto com o amor, ou tão alheias do amor, que nem notam, raro percebem que o amor existe, raro percebem que respiram, que a água está, é indispensável, ninguém pode viver alheio aos elementos, ao amor.
Regras Gerais da Arte da Guerra
Estou consciente de vos ter falado de muitas coisas que por vós mesmos haveis podido aprender e ponderar. Não obstante, fi-lo, como ainda hoje vos disse, para melhor vos poder mostrar, através delas, os aspectos formais desta matéria,e, ainda, para satisfazer aqueles – se fosse esse o caso – que não tivessem tido, como vós, a oportunidade de sobre elas tomar conhecimento. Parece-me que, agora, já só me resta falar-vos de algumas regras gerais, com as quais deveis estar perfeitamente identificados. São as seguintes:
– Tudo o que é útil ao inimigo é prejudicial para ti, e, tudo o que te é útil prejudica o inimigo.
– Aquele que, na guerra, for mais vigilante a observar as intenções do inimigo e mais empenho puser na preparação do seu exército, menos perigos correrá e mais poderá aspirar à vitória.
– Nunca leves os teus soldados para o campo de batalha sem, previamente, estares seguro do seu ânimo e sem teres a certeza de que não têm medo e estão disciplinados e convictos de que vão vencer.
– É preferível vencer o inimigo pela fome do que pelas armas. A vitória pelas armas depende muito mais da fortuna do que da virtude.
É por ter Espírito que me Aborreço
É preciso esconjurar, da forma que nos for possível, este diabo de vida que não sei porque é que nos foi dada e que se torna tão facilmente amarga se não opusermos ao tédio e aos aborrecimentos uma vontade de ferro. É preciso, numa palavra, agitar este corpo e este espírito que se delapidam um ao outro na estagnação e numa indolência que se confunde com um torpor. É preciso passar, necessariamente, do descanso ao trabalho – e reciprocamente: só assim estes parecerão, ao mesmo tempo, agradáveis e salutares. Um desgraçado que trabalhe sem cessar, sob o peso de tarefas inadiáveis, deve ser, sem dúvida, extremamente infeliz, mas um indivíduo que não faça mais do que divertir-se não encontrará nas suas distracções nem prazer nem tranquilidade; sente que luta contra o tédio e que este o prende pelos cabelos – como se fosse um fantasma que se colocasse sempre por detrás de cada distracção e espreitasse por cima do nosso ombro.
Não julgue, cara amiga, que eu só porque trabalho regularmente estou isento das investidas deste terrível inimigo; penso que, quando se tem uma certa disposição de espírito, é preciso termos uma imensa energia de forma a não nos deixarmos absorver e conseguir escapar,