CadĂȘ Eu?
CadĂȘ eu? perguntava-me. E quem respondia era uma estranha que me dizia fria e categoricamente: tu Ă©s tu mesma. Aos poucos, Ă medida que deixei de me procurar fiquei distraĂda e sem intenção alguma. Eu sou hĂĄbil em formar teoria. Eu, que empiricamente vivo. Eu dialogo comigo mesma: exponho e me pergunto sobre o que foi exposto, eu exponho e contesto, faço perguntas a uma audiĂȘncia invisĂvel e esta me anima com as respostas a prosseguir. Quando eu me olho de fora para dentro eu sou uma casca de ĂĄrvore e nĂŁo a ĂĄrvore. Eu nĂŁo sentia prazer. Depois que eu recuperei meu contato comigo Ă© que me fecundei e o resultado foi o nascimento alvoroçado de um prazer todo diferente do que chamam prazer.
Textos sobre Perguntas de Clarice Lispector
2 resultadosNĂŁo Sei Dizer quem Sou
Ă curioso como nĂŁo sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas nĂŁo posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar nĂŁo sĂł nĂŁo exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir nĂŁo Ă© o que eu sinto mas o que eu digo. Sinto quem sou e a impressĂŁo estĂĄ alojada na parte alta do cĂ©rebro, nos lĂĄbios â na lĂngua principalmente â, na superfĂcie dos braços e tambĂ©m correndo dentro, bem dentro do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu nĂŁo sei dizer. O gosto Ă© cinzento, um pouco avermelhado, nos pedaços velhos um pouco azulado, e move–se como gelatina, vagarosamente. As vezes torna-se agudo e me fere, chocando-se comigo. Muito bem, agora pensar em cĂ©u azul, por exemplo. Mas sobretudo donde vem essa certeza de estar vivendo? NĂŁo, nĂŁo passo bem. Pois ninguĂ©m se faz essas perguntas e eu… Mas Ă© que basta silenciar para sĂł enxergar, abaixo de todas as realidades, a Ășnica irredutĂvel, a da existĂȘncia. E abaixo de todas as dĂșvidas â o estudo cromĂĄtico â sei que tudo Ă© perfeito, porque seguiu de escala a escala o caminho fatal em relação a si mesmo.