Textos sobre Plantas de Rafael Chirbes

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Textos de plantas de Rafael Chirbes. Leia este e outros textos de Rafael Chirbes em Poetris.

O Dinheiro Financia as Circunstâncias

Já dizia o filósofo: eu sou eu e as minhas circunstâncias. Muito bem dito. Pois é o dinheiro que te permite financiar as tuas circunstâncias; se falta o dinheiro, ficas sozinho com o teu vazio, mero invólucro sem circunstância que valha um tostão furado: abandona-te essa mão oportuna que te daria uma palmada nas costas para cuspires o fiapo de frango meio mastigado que nesse momento te entope a glote não, não o digo por ti, Liliana, como podes pensar uma coisas dessas, estou a falar em termos gerais, bem sei que tu nunca me abandonarias); se tens dinheiro, pelo contrário, podes comprar companhia, um enfermeiro, uma enfermeira. Podes pagar a uma pedicura que te corte as unhas dos pés — uma tarefa que se te torna cada vez mais esgotante — e as lime para que não se dobrem e se cravem na carne, uma profissional hábil e cuidadosa que te extraia os calos e te desinfete essas perigosas feridas na planta do pé que a hiperglicemia ameaça tornar crónicas e que, se perdurarem e alastrarem, podem gangrenar e obrigar à amputação do membro; tendo dinheiro, podes dar-te ao luxo de contratar um massagista, um cabeleireiro que te corte o cabelo e te barbeie na cama,

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O Amor na Lama

– Esteban, o homem nĂŁo poderia fazer grandes obras sem trabalhos pequenos; na maqueta do carpinteiro está todo o edifĂ­cio do arquiteto, nĂŁo há profissões grandes e pequenas: alegro-me que tenhas decidido ficar connosco na carpintaria, mas convĂ©m que te lembres disso. NĂŁo te esqueças de que Deus tambĂ©m se senta numa cadeira e come a uma mesa e dorme numa cama. Como qualquer um. Pode prescindir dos retábulos, das estátuas e dos livros que lhe dedicam, incluindo a BĂ­blia, mas nĂŁo da cadeira, da mesa e da cama. — O meu tio esforçava-se muito. Queria que eu me sentisse bem na profissĂŁo. Que começasse a gostar dela. Acreditava que eu vivia como um fracasso a decisĂŁo de ter abandonado a Escola de Belas–Artes. IntuĂ­a certamente que eu precisava de desenvolver a minha autoestima. Mas tudo isso me parecia mera retĂłrica — e era-o —, a verdade Ă© que por essa altura já tinha começado a sair com Leonor e era ela quem eu amava, aprendia a gostar de mim atravĂ©s dela. Descobria o meu corpo em cada palmo do corpo dela, e o meu corpo ganhava valor porque lhe pertencia, era o seu complemento: acreditava que partilhávamos dois corpos que jamais poderiam separar-se e viver cada um por si.

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