Textos sobre Segundos de José Saramago

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Textos de segundos de José Saramago. Leia este e outros textos de José Saramago em Poetris.

A Minha Ténica Narrativa

Todas as características da minha técnica narrativa actual (eu preferiria dizer: do meu estilo) provêm de um princípio básico segundo o qual todo o «dito» se destina a ser «ouvido». Quero com isto significar que é como narrador oral que me vejo quando escrevo e que as palavras são por mim escritas tanto para serem lidas como para serem ouvidas. Ora, o narrador oral não usa pontuação, fala como se estivesse a compor música e usa os mesmos elementos que o músico: sons e pausas, altos e baixos, uns, breves ou longas, outras. Certas tendências, que reconheço e confirmo (estruturas barrocas, oratória circular, simetria de elementos), suponho que me vêm de uma certa ideia de um discurso oral tomado como música. Pergunto-me mesmo se não haverá mais do que uma simples coincidência entre o carácter inorganizado e fragmentário do discurso falado de hoje e as expressões «mínimas» de certa música contemporânea…

Os Ideais São Superiores às Crenças

Sou, simplesmente, uma pessoa com algumas ideias que lhe têm servido de razoável governo em todas as circunstâncias, boas ou más, da vida. Costuma-se dizer que o melhor partido para um crente é comportar-se como se Deus estivesse sempre a olhar para ele, situação, imagino eu, que nenhum ser humano terá estofo para aguentar, ou então é porque já estará muito perto de tornar-se, ele próprio, Deus. De todo o modo, e aproveitando o símile, o que eu tenho feito é imaginar que essas tais ideias minhas, estando dentro de mim como devem, também estão fora — e me observam. E realmente não sei o que será mais duro: se prestar contas a Deus, por intermédio dos seus representantes, ou às ideias, que os não têm. Segundo consta, Deus perdoa tudo — o que é uma excelente perspectiva para os que nele acreditem. As ideias, essas, não perdoam. Ou vivemos nós com elas, ou elas viverão contra nós — se não as respeitámos.

Estamos a Construir uma Sociedade de Egoístas

Estamos a construir uma sociedade de egoístas. Se a ti te dizem que o que importa é o que compras, e segundo o que compras têm mais ou menos consideração por ti, então convertes-te num ser que não pensa senão em satisfazer os seus gostos, os seus desejos e nada mais. Não existe em nenhuma faculdade uma disciplina do egoísmo, mas não é preciso, é a própria experiência social que nos vai fazendo assim. Ao longo da História as igrejas e as catedrais eram os lugares onde se procurava um valor espiritual determinado. Agora os valores adquirem-se nos centros comerciais. São as catedrais do nosso tempo.

Não Calar

Há uma regra fundamental quando se vive como nós estamos a viver – em sociedade, porque somos uns animais gregários – que é simplesmente não calar. Não calar! Que isso possa custar em comunidades várias a perda de emprego ou más interpretações já o sabemos, mas também não estamos aqui para agradar a toda a gente. Primeiro, porque é impossível, e segundo, porque se a consciência nos diz que o caminho é este então sigamo-lo e quanto às consequências logo veremos.