A Imagem Ă© Sempre Fruto da Vaidade
O aplauso Ă© o Ădolo da vaidade, por isso as acções herĂłicas nĂŁo se fazem em segredo, e por meio delas procuramos que os homens formem de nĂłs o mesmo conceito, que nĂłs temos de nĂłs mesmos. Raras vezes somos generosos, sĂł pela generosidade, nem valerosos sĂł pelo valor. A vaidade nos propõe, que o mundo todo se aplica em registar os nossos passos; para este mundo Ă© que obramos; por isso há muita diferença de um homem, a ele mesmo: posto no retiro Ă© um homem comum, e muitas vezes ainda com menos talento que o comum dos homens; porĂ©m posto em parte donde o vejam, todo Ă© acção, movimento, esforço.
Nunca mostramos o que somos, senĂŁo quando entendemos que ninguĂ©m nos vĂŞ, e isto porque nĂŁo exercitamos as virtudes pela excelĂŞncia delas, mas pela honra do exercĂcio, nem deixamos de ser maus por aversĂŁo ao mal, mas pelo que se segue de o ser. O vĂcio pratica-se ocultamente, porque cremos que a ignomĂnia sĂł consiste em se saber; de sorte que se somos bons, Ă© por causa dos mais homens, e nĂŁo por nossa causa; haja quem nos assegure, que nĂŁo há-de saber-se um desacerto, e logo nos tem certo,
Textos sobre Virtude de Matias Aires
5 resultadosVaidade a Qualquer Preço
Muitas vezes obramos bem por vaidade, e tambĂ©m por vaidade obramos mal: o objecto da vaidade Ă© que uma acção se faça atender, e admirar, seja pelo motivo, ou razĂŁo que for. NĂŁo sĂł o que Ă© digno de louvor Ă© grande; porque tambĂ©m há cousas grandes pela sua execração; Ă© o que basta para a vaidade as seguir, e aprovar. A maior parte das empresas memoráveis, nĂŁo tiveram a virtude por origem, o vĂcio sim; e nem por isso deixaram de atrair o espanto, e admiração dos homens.
A fama nĂŁo se compõe apenas do que Ă© justo, e o raio nĂŁo sĂł se faz atendĂvel pela luz, mas pelo estrago. A vaidade apetece o estrondoso, sem entrar na discussĂŁo da qualidade do estrondo: faz-nos obrar mal, se desse mal pode resultar um nome, um reparo, uma memĂłria. Esta vida Ă© um teatro, todos queremos representar nele o melhor papel, ou ao menos um papel importante, ou em bem, ou em mal. A vaidade tem certas regras, uma delas Ă©, que a singularidade nĂŁo sĂł se adquire pelo bem, mas tambĂ©m pelo mal, nĂŁo sĂł pelo caminho da virtude, mas tambĂ©m pelo da culpa; nĂŁo sĂł pela verdade,
A Fraqueza dos Nossos Sentidos
A fraqueza dos nossos sentidos impede-nos o gozar das cousas na sua simplicidade natural. Os elementos nĂŁo sĂŁo em si como nĂłs os vemos: o ar, a água, e a terra a cada instante mudam, o fogo toma a qualidade da matĂ©ria que o produz, e tudo enfim se altera, e se empiora para ser proporcionado a nĂłs. A virtude muitas vezes se acha com mistura de algum vĂcio; no vĂcio tambĂ©m se podem encontrar alguns raios de virtude; incapazes de um ser constante, e sĂłlido, dificilmente se pode dar em nĂłs virtude sem mancha, ou perfeito vĂcio: a justiça tambĂ©m se compõe de iniquidade, semelhante Ă harmonia, que nĂŁo pode subsistir sem dissonância, antes com correspondĂŞncia certa, a dissonância Ă© uma parte da harmonia. Vemos as cousas pelo modo com que as podemos ver, isto Ă©, confusamente, e por isso quási sempre as vemos como elas nĂŁo sĂŁo.
As paixões formam dentro de nós um intrincado labirinto, e neste se perde o verdadeiro ser das cousas, porque cada uma delas se apropria à natureza das paixões por onde passa. Tomamos por substância, e entidade, o que não é mais do que um costume de ver, de ouvir, e de entender;
A Vaidade Também Pode Ser Benéfica
A vaidade por ser causa de alguns males, nĂŁo deixa de ser princĂpio de alguns bens: das virtudes meramente humanas, poucas se haviam de achar nos homens, se nos homens nĂŁo houvesse vaidade: nĂŁo sĂł seriam raras as acções de valor, de generosidade, e de constância, mas ainda estes termos, ou palavras, seriam como bárbaras, e ignoradas totalmente. Digamos, que a vaidade as inventou.
O ser inflexĂvel Ă© ser constante; o desprezar a vida Ă© ter valor: SĂŁo virtudes, que a natureza desaprova, e que a vaidade canoniza. A aleivosia, a ingratidĂŁo, a deslealdade, sĂŁo vĂcios notados de vileza, por isso deles nos defende a vaidade; porque esta abomina tudo quanto Ă© vil. Assim se vĂŞ, que há vĂcios, de que a vaidade nos preserva, e que há virtudes, que a mesma vaidade nos ensina.
A Vaidade Deforma a Alegria e a Tristeza
As virtudes humanas muitas vezes se compõem de melancolia, e de um retiro agreste. As mais das vezes é humor o que julgamos razão; é temperamento o que chamamos desengano; e é enfermidade o que nos parece virtude. Tudo são efeitos da tristeza; esta obriga-nos a seguir os partidos mais violentos, e mais duros; raras vezes nos faz reflectir sobre o passado, quási sempre nos ocupa em considerar futuros; por isso nos infunde temor, e cobardia, na incerteza de acontecimentos felizes, ou infaustos; e verdadeiramente a alegria nos governa em forma, que seguimos como por força os movimentos dela; e do mesmo modo os da tristeza.
Um ânimo alegre disfarça mal o riso, um coração triste encobre mal o seu desgosto: como há-de chorar quem está contente? E como há-de rir quem está triste? Se alguma vez se chora donde só se deve rir, ou se ri por aquilo por que se deve chorar, a alma então penetrada de dor, ou de prazer, desmente aquele exterior fingido, e falso. Só a vaidade sabe transformar o gosto em dor, e esta em prazer, a alegria em tristeza, e esta em contentamento; por isso as feridas não se sentem, antes lisonjeiam,