Passagens de Anibal Beça

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Último Round

O vento que de verde tudo varre
não varre esta floresta onde eu habito.
Espana roxas nódoas de um espárringue
que sou eu mesmo a rir por esses ringues.

Porradas que me dou? Mero detalhe,
de quem passou a vida sem ter sido
sendo, o sabido súdito do anárquico.
Não fui, não sou, não quero ser doído.

O menestrel choroso? Este não vale,
perdeu-se pelos socos de outras divas
em noites desbotadas na paisagem.

Mas então, o que fica dessa trilha?
ora, amigo, nocautes dessa aragem
varrida nos cruzados descaminhos.

O Começo Antes Do Começo

A chuva cheia chama por um nome
nesse som abafado em água funda.
No líquido chamado há um rio que some
afogando a palavra, flor fecunda,

já morta no som cavo que consome
o provável vestígio que se afunda.
Na sanha esse fastio enfeixa a fome
um som de ossos de vértebras rotundas,

harpa transida em tons e semitons:
Uma dodecafônica cantata
deassomada assonância se compõe

no dissonante sonho em catarata.
Chuva de vozes, chuva de Breton:
Nasce o cão andaluz e um sol desata-se.

Cantares Bacantes (II)

Canto a lira dissonante:
como custam meus cantares!
os cantochões dos solares
mais remotos que um levante.

Tua branca primavera
lança-perfume dos ares
profundo nácar dos pares
mas verdes ramas da hera.

A cigarra morta canta
tua tarde de passagem
que a voz do bronze levanta

louvores a teu passeio
de gazela: leve aragem
ao coração, meu anseio!

E Havia A Via Estreita

(Para Alexei Bueno)

Aquém de mim há quem procure sombras
como quem cata a vida em folhas mortas.
Se não as acha, sobra-lhe do encontro
a coisa ida via estreita porta.

Saber do pó que lambe esses escombros
a pouca luz que espouca e me transporta
é ser e ter em mim o Outro que escondo
que vive a deslizar por ruas tortas.

Comigo sou, estou e ficarei
tecendo a tessitura que me esplende
na luz esparramada dessa grei.

Se aquém de mim, alguém, que me vende
os olhos, saiba: a via já passei.
E o verso vem comigo e não se rende.

Música Da Hora

Habito a pausa no hábito da pauta
música de silêncios e soluços
a refrear desmandos dos impulsos
que se querem agudos sons de flauta.

A vida é toda música em seu curso
do grito original em rima incauta
ao sussurro que se ouve em cama infausta
nesse fim dissonante do percurso.

O tempo se encarrega do metrônomo
unido a dois ponteiros de um cronômetro
em que o delgado veste-se de momo

para alegrar as horas do pequeno
que dança a marcha gris em chão sereno
fugindo ao dois por quatro do abandono.

Os Castrados

Há muitos tipos de castrados.
Há os da casta de cantores
que se afinam na voz mais fina
aleijões de seus dissabores.

Há os de vida feminina
de tarefas vis sem pudores
aios de haréns de concubinas
os assexuados sem rumores.

São todos eunucos forçados
vítimas do mando de autores:
os sultões de sanha assassina
que gozam no estertor das dores.

Castrados morais têm escrotos,
mas gozam com sexo dos outros.