Rodopio
Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas tĂ´rres de marfim.Ascendem hĂ©lices, rastros…
Mais longe coam-me sois;
Há promontórios, farois,
Upam-se estátuas de herois,
Ondeiam lanças e mastros.Zebram-se armadas de côr,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor…Cristais retinem de mĂŞdo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços…
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segrĂŞdo.Luas de oiro se embebedam,
Rainhas desfolham lirios;
Contorcionam-se cĂrios,
Enclavinham-se delĂrios.
Listas de som enveredam…Virgulam-se aspas em vozes,
Letras de fogo e punhais;
Há missas e bacanais,
Execuções capitais,
Regressos, apoteoses.Silvam madeixas ondeantes,
Pungem lábios esmagados,
Há corpos emmaranhados,
Seios mordidos, golfados,
Sexos mortos de anseantes…(Há incenso de esponsais,
Há mãos brancas e sagradas,
Há velhas cartas rasgadas,
Há pobres coisas guardadas –
Um lenço, fitas, dedais…)Há elmos, trofĂ©us, mortalhas,
Emanações fugidias,
Passagens sobre Fogo
465 resultadosPolidez Ă© InteligĂŞncia
A polidez Ă© uma convenção tácita para ignorarmos a mĂsera condição moral e intelectual do ser humano e assim evitarmos acusá-la mutuamente; desse modo, ela vem menos a lume, para proveito de todos. Polidez Ă© inteligĂŞncia; consequentemente, impolidez Ă© parvoĂce. Criar inimigos por impolidez, de maneira desnecessária e caprichosa, Ă© tĂŁo demente quanto pegar fogo Ă prĂłpria casa. Pois a polidez, como as fichas de jogo, Ă© notoriamente uma moeda falsa: economizá-la Ă© prova de insensatez. Pelo contrário, gastá-la em profusĂŁo Ă© prova de sensatez. Todas as nações concluem as suas cartas com «seu mui obediente servidor». SĂł os alemĂŁes suprimem o «servidor» porque, segundo dizem, nĂŁo Ă© verdadeiro! Quem, pelo contrário, leva a polidez atĂ© ao sacrifĂcio dos interesses reais, assemelha-se Ă quele que, em lugar das fichas de jogo, desse autĂŞnticas moedas de ouro. Do mesmo modo que a cera, dura e quebradiça, torna-se maleável com um pouco de calor, assumindo qualquer forma desejada, tambĂ©m se pode, com alguma polidez e amabilidade, tornar flexĂveis e dĂłceis os homens recalcitrantes e hostis. A polidez, portanto, Ă© para o homem o que o calor Ă© para a cera.
Soneto Da Mulher E A Nuvem
A JoĂŁo Cabral de Melo Neto
Nuvem no céu do nunca, nem tão branca
– assim era o amor, Ă minha espreita,
e era a mulher, de nuvens sempre feita
e de véus e pudor que o amor arranca.Não pude amá-la, pois não era franca
a sua carne que o amor aceita,
nuvem que um céu de amor sempre atravanca
e entre praias e pântanos se deita.Bruma de carne, em vão céu de tormento,
parindo fogo aos meus dezesseis anos,
assim foi ela, sem deixar seu nome.Nunca foi minha, e sĂł em pensamento
eu pude dar-lhe o amor de desenganos
que me deixou no corpo espanto e fome.
VigĂlia
No panorama de frio
jazia cristalizado o voo dos gaviões.Ao seu encontro ia fremente
o respirar da terra quente quase adormecida.FluĂa um riso irĂłnico das dentaduras alvas da neblina
para bocas de ouvidos,
olhos de bocas.Surgiu entĂŁo coberto de silĂŞncio
o homem que desde sempre morrera trucidado.O seu sangue caĂa enquanto andava.
Das gotas pelo chão se levantaram logo as árvores de fogo
dentro em pouco a floresta incendiária
de todo o frio que o chamava.E antes que soprasse a ventania
a borboleta colorida foi queimada.Mas antes que o sol humidamente
repousasse num clarĂŁo de olhos fechados,
as cinzas de pirâmides se espalhavam
indo ferir o enorme olho esbugalhado
que de aquém fitava um espaço maior!
Brincar com o fogo, Ă© perigoso jogo.