Textos sobre Segundos

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Textos de segundos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Para Quê e Porquê

Vê se não insistes muito em perguntar porquê ou para quê, se não queres ficar paralítico. Porque a maior grandeza da vida tem o valor nela própria e não fora dela. Não se pode justificar a vida senão nela. Ou a luz. Ou a fraternidade humana. Ou a justiça. E o mais assim. E é o que é indiscutível que pode fundar um comportamento e uma razão de se estar vivo.
É fácil ainda inventar ou ter razões para se atentar contra o que é indiscutível. Porque se é indiscutível, não se pode discutir. E se se discute, o valor deixa de existir. Toda a cultura ou civilização assenta em pressupostos que não exigem uma demonstração e permanecem assim no intocável que é seu. Eis que no nosso tempo, como em nenhum outro, o fundamental para a vida se determina pela negação. A arte foi como sempre o grande arauto da nossa terra queimada. Negar. Destruir. Porque tudo se contamina da possibilidade de negação. Das artes e as letras ao comportamento social.
E curiosamente a mais manifesta negação é a que se refere ao tabu sexual. E o que mais se destaca aí é o uso a frio das maiores obscenidades.

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Os Ideais São Superiores às Crenças

Sou, simplesmente, uma pessoa com algumas ideias que lhe têm servido de razoável governo em todas as circunstâncias, boas ou más, da vida. Costuma-se dizer que o melhor partido para um crente é comportar-se como se Deus estivesse sempre a olhar para ele, situação, imagino eu, que nenhum ser humano terá estofo para aguentar, ou então é porque já estará muito perto de tornar-se, ele próprio, Deus. De todo o modo, e aproveitando o símile, o que eu tenho feito é imaginar que essas tais ideias minhas, estando dentro de mim como devem, também estão fora — e me observam. E realmente não sei o que será mais duro: se prestar contas a Deus, por intermédio dos seus representantes, ou às ideias, que os não têm. Segundo consta, Deus perdoa tudo — o que é uma excelente perspectiva para os que nele acreditem. As ideias, essas, não perdoam. Ou vivemos nós com elas, ou elas viverão contra nós — se não as respeitámos.

Viver com o Coração ou com a Razão

Viver segundo a razão, alvitre que os filósofos pregoam, é bom de dizer-se e desejar-se, mas enquanto os filósofos não derem uma razão a cada homem, e essa razão igual à de todos os homens, o apostolado é de todo inútil. Melhor avisados andam os moralistas religiosos, subordinando a humanidade aos ditames de uma mesma fé; todavia, e sem menoscabo dos preceitos evangélicos que altamente venero, parece-me que o homem, sincero crente, e devotado cristão, no meio destes mouros, que vivem à luz do século, e meneiam os negócios temporais a seu sabor, tal homem, se pedir a seu bom juízo religioso a norma dos deveres a respeitar, e dos direitos a reclamar, ganha créditos de parvo, e morre sequestrado dos prazeres da vida, se quiser poupar-se ao desgosto de ser apupado, procurando-os.

Como sabem, eu nunca andei em boas-avenças com a religião de meus pais; e por isso me abstenho de lhe imputar a responsabilidade das minhas quedas, seja dos pináculos aéreos onde o coração me alçou, seja do raso da razão, onde as quedas, bem que baixas, são mais igminiosas. Eu comparo o cair das alturas do coração à queda que se dá dum garboso cavalo: quem nos vê cair pode ser que nos deplore;

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Polidez é Inteligência

A polidez é uma convenção tácita para ignorarmos a mísera condição moral e intelectual do ser humano e assim evitarmos acusá-la mutuamente; desse modo, ela vem menos a lume, para proveito de todos. Polidez é inteligência; consequentemente, impolidez é parvoíce. Criar inimigos por impolidez, de maneira desnecessária e caprichosa, é tão demente quanto pegar fogo à própria casa. Pois a polidez, como as fichas de jogo, é notoriamente uma moeda falsa: economizá-la é prova de insensatez. Pelo contrário, gastá-la em profusão é prova de sensatez. Todas as nações concluem as suas cartas com «seu mui obediente servidor». Só os alemães suprimem o «servidor» porque, segundo dizem, não é verdadeiro! Quem, pelo contrário, leva a polidez até ao sacrifício dos interesses reais, assemelha-se àquele que, em lugar das fichas de jogo, desse autênticas moedas de ouro. Do mesmo modo que a cera, dura e quebradiça, torna-se maleável com um pouco de calor, assumindo qualquer forma desejada, também se pode, com alguma polidez e amabilidade, tornar flexíveis e dóceis os homens recalcitrantes e hostis. A polidez, portanto, é para o homem o que o calor é para a cera.

As Ideias dependem das Sensações

À primeira vista, nada pode parecer mais ilimitado do que o pensamento humano, que não apenas escapa a toda autoridade e a todo poder do homem, mas também nem sempre é reprimido dentro dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar for­mas e aparências incongruentes não causam à imaginação mais em­baraço do que conceber os objectos mais naturais e mais familiares. Apesar de o corpo confinar-se num só planeta, sobre o qual se arrasta com sofrimento e dificuldade, o pensamento pode transportar-nos num instante às regiões mais distantes do Universo, ou mesmo, além do Universo, para o caos indeterminado, onde se supõe que a Natureza se encontra em total confusão. Pode-se conceber o que ainda não foi visto ou ouvido, porque não há nada que esteja fora do poder do pensamento, excepto o que implica absoluta contradição.

Entretanto, embora o nosso pensamento pareça possuir esta liber­dade ilimitada (…) ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e todo o poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Quando pensamos numa montanha de ouro, apenas unimos duas idéias compatíveis,

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Tu És Deus

Tu, sim, és o Deus que vale a pena: o Deus que quer e consegue ser luz mesmo quando só parecia que conseguiria ser escuridão; o Deus que ama, que atrai, que exalta, que rompe, que geme. O Deus que faz milagres com um sorriso, que cura doenças com um abraço, que ergue pontes com um afago. O Deus que faz da ternura uma prece, da partilha um santuário. É isso, um Deus que faz milagres desde que queira, de verdade, fazer milagres, o que tu és. Oremos, irmão.

Chegou a hora de seres a-teu. A teu. É a teu cargo que está criar o mundo. Todos os dias tens essa possibilidade, todos os dias nasces com essa força dentro de ti. Todos os dias és omnipotente: podes criar o teu mundo. E podes criá-lo exactamente igual ao que era antes e podes criá-lo completamente diferente do que era antes. Todos os dias crias um mundo, todos os dias tens o maior dos poderes nas tuas mãos. Como é que raios ainda não tinhas percebido que eras Deus? A teu. Ouve, recolhe, assimila: a teu. É tudo teu. Tudo o que és é teu. A teu. Sê a-teu.

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A Única Realidade Social (1)

A única realidade social é um indivíduo, por isso mesmo que ele é a única realidade. O conceito de sociedade é um puro conceito; o de humanidade uma simples ideia. Só o indivíduo vive, só o indivíduo pensa e sente. Só por metáfora ou em linguagem translata se pode aludir ao pensamento ou ao sentimento de uma colectividade. Dizer que Portugal pensa, ou que a humanidade sente é tão razoável como dizer que Portugal se penteia ou que a humanidade se assoa.
(…) Sendo o indivíduo a única realidade social, é o egoísmo a única qualidade real, embora, por disfarces vários e artíficios diversos se construíssem, no decurso da evolução social (não digo do progresso, porque não sei – nem ninguém sabe – se existe progresso) sentimentos altruístas, afinamentos dos instintos.
Para que o indivíduo possa ter uma vida social que lhe seja um elemento de desenvolvimento, ou, em outras palavras, para que a sociedade seja um ambiente favorável ao desenvolvimento do indivíduo, é forçoso que se faça assentar essa sociedade num conceito egoísta.
Assim se formam naturalmente nações. A nação é o segundo elemento social primário. Os homens não se agrupam fraternitariamente senão por oposição. Sempre nos unimos para nos opormos.

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És Um HOMEM, Se…

Se és capaz de conservar o teu bom senso e a calma,
Quando os outros os perdem, e te acusam disso,

Se és capaz de confiar em ti, quando te ti duvidam
E, no entanto, perdoares que duvidem,

Se és capaz de esperar, sem perderes a esperança
E não caluniares os que te caluniam,

Se és capaz de sonhar, sem que o sonho te domine,
E pensar, sem reduzir o pensamento a vício,

Se és capaz de enfrentar o Triunfo e o Desastre,
Sem fazer distinção entre estes dois impostores,

Se és capaz de ouvir a verdade que disseste,
Transformada por canalhas em armadilhas aos tolos,

Se és capaz de ver destruído o ideal da vida inteira
E construí-lo outra vez com ferramentas gastas,

Se és capaz de arriscar todos os teus haveres
Num lance corajoso, alheio ao resultado,
E perder e começar de novo o teu caminho,
Sem que ouça um suspiro quem seguir ao teu lado,

Se és capaz de forçar os teus músculos e nervos
E fazê-los servir se já quase não servem,

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O Primeiro Amor

Questão é curiosa nesta Filosofia, qual seja mais precioso e de maiores quilates: se o primeiro amor, ou o segundo? Ao primeiro ninguém pode negar que é o primogénito do coração, o morgado dos afectos, a flor do desejo, e as primícias da vontade. Contudo, eu reconheço grandes vantagens no amor segundo. O primeiro é bisonho, o segundo é experimentado; o primeiro é aprendiz, o segundo é mestre: o primeiro pode ser ímpeto, o segundo não pode ser senão amor. Enfim, o segundo amor, porque é segundo, é confirmação e ratificação do primeiro, e por isso não simples amor, senão duplicado, e amor sobre amor. É verdade que o primeiro amor é o primogénito do coração; porém a vontade sempre livre não tem os seus bens vinculados. Seja o primeiro, mas não por isso o maior.

A Força do Presente

Fosse a tua vida três mil anos e até mesmo dez mil, lembra-te sempre que ninguém perde outra vida que aquela que lhe tocou viver e que só se vive aquela que se perde. Assim a mais longa e a mais curta vida se equivalem. O presente é igual para todos, e o que se perde é, por isso mesmo, igual, e o que se perde surge como a perda de um segundo. Com efeito, não é o passado ou o futuro que perdemos; como poderia alguém arrebatar-nos o que não temos?
Por isso toma sentido, a toda a hora, nestas duas coisas: primeiramente, que tudo, desde toda a eternidade, apresenta aspecto idêntico e passa pelos mesmos ciclos, e pouco importa assistir ao mesmo espectáculo em duzentos anos ou toda a eternidade; depois, que tanto perde o homem que morre carregado de anos como o que conta breves dias, consistindo a perda no momento presente; não se pode perder o que não se tem.

O Desespero do Homem de Acção

Há uma ligação muito estreita entre a adoração da acção e o uso do homem como meio de atingir fins que não são o homem. Como há uma ligação aproximada entre este desespero e a acção, entre a razão e a acção. A proeminência dos valores da acção sobre os da contemplação indica, sobretudo, que o homem abandonou totalmente a busca duma ideia aprazível do homem e o desejo de o colocar como fim. E que na impossibilidade de agir segundo um fim, ou de agir para ser homem, ele decide agir de qualquer maneira, apenas para agir.
O homem de acção é um desesperado que procura preencher o vazio do seu próprio desespero com actos ligados mecanicamente uns aos outros e compreendidos entre um ponto de início e um ponto de conclusão, ambos gratuitos e convencionais. Por exemplo, entre o ponto de início da fabricação dum automóvel e o ponto de conclusão dessa fabricação. O homem de acção suspenderá o seu desespero enquanto durar a fabricação do veículo; suspendê-lo-á precisamente porque no seu espírito fica suspensa qualquer finalidade verdadeiramente humana: sente-se meio entre os outros homens, meios como ele. Concluída a máquina ele encontrar-se-á, é verdade, mais inerte e exânime que a própria máquina,

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Felicidade Solitária

A solidão concede ao homem intelectualmente superior uma vantagem dupla: primeiro, a de estar só consigo mesmo; segundo, a de não estar com os outros. Esta última será altamente apreciada se pensarmos em quanta coerção, quantos estragos e até mesmo quanto perigo toda a convivência social traz consigo. «Todo o nosso mal provém de não podermos estar a sós», diz La Bruyère. A sociabilidade é uma das inclinações mais perigosas e perversas, pois põe-nos em contacto com seres cuja maioria é moralmente ruim e intelectualmente obtusa ou invertida. O insociável é alguém que não precisa deles.
Desse modo, ter em si mesmo o bastante para não precisar da sociedade já é uma grande felicidade, porque quase todo o sofrimento provém justamente da sociedade, e a tranquilidade espiritual, que, depois da saúde, constitui o elemento mais essencial da nossa felicidade, é ameaçada por ela e, portanto, não pode subsistir sem uma dose significativa de solidão. Os filósofos cínicos renunciavam a toda a posse para usufruir a felicidade conferida pela tranquilidade intelectual. Quem renunciar à sociedade com a mesma intenção terá escolhido o mais sábio dos caminhos.

A Imaginação Humana é Imensamente Mais Pobre que a Realidade

A imaginação humana é imensamente mais pobre que a realidade. Se pensamos no futuro, vemo-lo sempre desenvolver-se segundo um sistema monótono. Não pensamos que o passado é um multicolor caos de gerações. Isto pode também servir para nos consolar dos terrores causados pela «barbárie técnica e totalitária» do futuro. Nos cem anos mais próximos poderá produzir-se uma sequência de, pelo menos, três momentos, e o espírito humano poderá, sucessivamente, viver na rua, na prisão e nos jornais.
O mesmo se pode dizer do futuro pessoal.

Estamos a Construir uma Sociedade de Egoístas

Estamos a construir uma sociedade de egoístas. Se a ti te dizem que o que importa é o que compras, e segundo o que compras têm mais ou menos consideração por ti, então convertes-te num ser que não pensa senão em satisfazer os seus gostos, os seus desejos e nada mais. Não existe em nenhuma faculdade uma disciplina do egoísmo, mas não é preciso, é a própria experiência social que nos vai fazendo assim. Ao longo da História as igrejas e as catedrais eram os lugares onde se procurava um valor espiritual determinado. Agora os valores adquirem-se nos centros comerciais. São as catedrais do nosso tempo.

Leitura e Escrita

A leitura, é de facto, em meu entender, imprescindível: primeiro, para me não dar por satisfeito só com as minhas obras, segundo, para, ao informar-me dos problemas investigados pelos outros, poder ajuizar das descobertas já feitas e conjecturar as que ainda há por fazer.
A leitura alimenta a inteligência e retempera-a das fadigas do estudo, sem, contudo, pôr de lado o estudo. Não deve­mos limitar-nos nem só à escrita, nem só à leitura: uma diminui-nos as forças, esgota-nos (estou-me referindo ao trabalho da escrita), a outra amolece-nos e embota-nos a energia. Devemos alternar ambas as actividades, equilibrá­-las, para que a pena venha a dar forma às ideias coligidas das leituras. Como soe dizer-se, devemos imitar as abelhas que deambulam pelas flores, escolhendo as mais apropriadas ao fabrico do mel e depois trabalham o material recolhido, distribuem-no pelos favos e, nas palavras do nosso Vergilio, o líquido mel acumulam, e fazem inchar os alvéolos de doce néctar.
(…) Nós devemos imitar as abelhas, discri­minar os elementos colhidos nas diversas leituras (pois a memória conserva-os melhor assim discriminados), e depois, aplicando-lhes toda a atenção, todas as faculdades da nossa inteligência, transformar num produto de sabor individual todos os vários sucos coligidos de modo a que,

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Homens Exageradamente Subtis

Os homens exageradamente subtis raro são grandes homens, e as suas pesquisas são, na maior parte dos casos, tão inúteis como requintadas. Afastam-se cada vez mais da vida prática, de que se deveriam aproximar. Assim como os mestres de dança ou de esgrima não começam por ensinar a anatomia dos braços e das pernas, também uma filosofia sã e utilizável deve partir de muito mais alto do que todas as suas especulações. «Deve pôr-se o pé assim para se não cair» e «é necessário acreditar nisto pois seria absurdo não acreditar», constituem bases muito boas.
As pessoas que quiserem ir mais longe podem fazê-lo, mas sem pensarem que fazem algo de grande, porque se tudo resultar, nada mais encontrarão, no fim de contas, do que aquilo que o homem razoável sabia há muito.
O homem que faz uma nova demonstração do décimo segundo teorema de Euclides merece ser chamado engenhoso, mas nem por isso contribuirá mais para o alargamento das fronteiras da ciência do que se não tivesse feito tal invenção. Mas nunca, por certo, chegareis a convencer o céptico, porque que argumento deste mundo será capaz de convencer um homem capaz de acreditar em absurdidades? E alguém que quer ser convencido merecerá ser refutado?

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O Segredo dos Seres e do Mundo

Sentia-me à vontade em tudo, isso é verdade, mas ao mesmo tempo nada me satisfazia. Cada alegria fazia-me desejar outra. Ia de festa em festa. Acontecia-me dançar noites a fio, cada vez mais louco com os seres e com a vida. Por vezes, já bastante tarde, nessas noites em que a dança, o álcool leve, o meu desenfreamento, o violento abandono de cada qual, me lançavam para um arroubo ao mesmo tempo lasso e pleno, parecia-me, no extremo da fadiga e no lapso de um segundo, compreender, enfim, o segredo dos seres e do mundo. Mas a fadiga desaparecia no dia seguinte e, com ela, o segredo; e eu atirava-me outra vez.

Do Juízo Estético

Toda a arte pressupõe regras na base das quais uma produção, se deve considerar-se artística, é representada, em primeiro lugar, como possível; mas o conceito das belas-artes não permite derivar o juízo sobre a beleza da produção de qualquer regra que tenha um conceito como princípio determinante, em virtude de pôr como fundamento um conceito do modo por que tal é possível. Assim, a arte do belo não pode inventar ela mesma a regra segundo a qual realizará a sua produção. Mas, como sem regra anterior um produto não pode ser artístico, é necessário que a natureza dê a regra de arte ao próprio sujeito (na concordância das suas faculdades), isto é, as belas-artes só podem ser o produto do génio.
Daí se conclui: 1º Que o génio é o talento de produzir aquilo de que se não pode dar regra determinada, mas não é a aptidão para o que pode ser apreendido consoante uma qualquer regra; portanto, a sua primeira característica é a originalidade. 2º Que as suas produções, visto que o absurdo também pode ser original, devem simultaneamente ser modelos, isto é, ser exemplares; por consequência, não sendo obras de imitação, têm de ser propostas à imitação das outras,

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É o Fim que Confere o Significado às Palavras

Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras.

A Ideia de Moral Universal

Muito antes de o homem estar maduro para ser confrontado com uma atitude moral universal, o medo dos perigos da vida levaram-no a atribuir a vários seres imaginários, não palpáveis fisicamente, o poder de libertar as forças naturais que temia ou talvez desejasse. E ele acreditava que esses seres, que dominavam toda a sua imaginação, eram feitos fisicamente à sua imagem, mas eram dotados de poderes sobre-humanos. Estes foram os precursores primitivos da ideia de Deus. Nascidos inicialmente dos medos que enchiam a vida diária dos homens, a crença na existência de tais seres, e nos seus poderes extraordinários, teve uma influência tão forte nos homens e na sua conduta que é difícil de imaginar por nós. Por isso, não surpreende que aqueles que se empenharam em estabelecer a ideia de moral, abarcando igualmente todos os homens, o tenham feito associando-a intimamente à religião. E o facto de estas pretensões morais serem as mesmas para todos os homens pode ter tido muito a ver com o desenvolvimento da cultura religiosa da espécie humana desde o politeísmo até ao monoteísmo.
A ideia de moral universal deve, assim, a sua potência psicológica original àquela ligação com a religião. No entanto, noutro sentido,

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