Se Pudesses Estar Comigo Vinte e Quatro horas do Dia
Se pudesses estar comigo durante as vinte e quatro horas do dia, observar cada gesto meu, dormir comigo, comer comigo, trabalhar comigo, tudo isto não poderia ter lugar. Quando me vejo afastado de ti, penso em ti constantemente e isso dá cor a tudo o que eu diga ou faça. Se soubesses o quão fiel te sou! Não apenas fisicamente, mas mentalmente, moralmente, espiritualmente. Aqui não há qualquer tentação para mim, absolutamente nenhuma. Estou imune a Nova Iorque, aos meus velhos amigos, ao passado, a tudo. Pela primeira vez na minha vida, estou completamente centrado em outro ser… Em ti. Sinto-me capaz de dar tudo, sem ter medo de ficar exaurido ou de me ver perdido. Quando ontem escrevi no meu artigo que «se eu nunca tivesse ido para a Europa…», não era a Europa que tinha em mente, mas sim tu.
Mas não posso dizer isso ao mundo num artigo. Tu és a Europa. Pegaste em mim, um homem despedaçado, e tornaste-me completo. E não hei-de desintegrar-me — não existe o menor perigo disso. Mas agora vejo-me mais sensível, mais receptivo a qualquer sinal de perigo. Se te persigo loucamente, se te imploro para ouvires, se fico à tua porta e espero por ti,
Textos sobre Provas
104 resultadosA Castração da Personalidade
O homem é um animal gregário. Político, dizia Aristóteles, ou seja, membro da cidade. Mas não só da cidade – de todas as greis espontâneas ou artificiais, estáveis ou precárias, onde quer que se encontre. Não pode suportar a ideia de estar só, consigo – quer ser unidade e não individualidade. Tem necessidade de se sentir cotovelo com cotovelo, pele com pele, no calor de uma multidão, ligado, seguro, uniforme, conforme. Se o leão anda só, em nós predomina o instinto ovino, do rebanho – os próprios individualistas, para afirmar o seu individualismo, congregam-se: sempre segundo a prática ovina.
O homem, quando só, sente-se incompleto – tem medo. Opor-se à grei significa separar-se, permanecer só, morrer. Os conceitos do bem e do mal nascem da necessidade de convivência. É bem o que aproveita ao grupo, mal o que o prejudica ou não beneficia. O rebanho não quer que cada ovelha pense demasiado em si, e como a privilegiada é a que obtém a boa opinião das outras, vê-se forçada, ainda que contra os seus gostos e interesses, a agir no sentido do bem supremo do rebanho. Há que pagar, com a castração da personalidade, a segurança contra o medo.
Felicidade, Glória, Imaginação, Inteligência e Inspiração
Numa vida profundamente atormentada seria possível muitas vezes encontrar-se felicidade para várias outras existências. Da felicidade que um homem malbarata, sem lhe suspeitar o valor, outros homens tirariam alegria para toda a vida, assim como as sobras da mesa do rico dariam para sustento de mais de um pobre.
A glória é um processo de apuramento que nunca pára. À medida que a humanidade envelhece e que as suas recordações se vão amontoando, tornam-se necessárias novas selecções. Séculos inteiros são depurados nesses escrutínios, sem que sobreviva um nome sequer. Um dia os imortais irão unir-se aos anónimos no esquecimento final.
É a imaginação, tocha divina apensa ao espírito do homem, que lhe permite mover-se nas trevas da criação. Assim os peixes das profundezas oceânicas trazem um facho que os ilumina na noite eterna. Sem isto para que lhes serviriam os olhos? Sem imaginação, que utilidade teria para o homem a inteligência?
O homem de letras tem falhas pronunciadas de inteligência, a ponto de parecer estúpido ao homem de negócios. Não deixa porém por isso de se considerar, onde quer que se encontre, o mais inteligente da roda. Nada é mais absurdo do que essa superioridade,
Depender de Alguém
Depender de alguém, das ideias dos outros ou das filosofias das massas é negar a nossa própria existência, é abdicar totalmente do poder que nos foi concedido à nascença e a mais profunda ingratidão para com a oportunidade que nos foi dada de aqui estar. Como já o disse, cada um de nós é um ser especial e precioso, com responsabilidades pessoais e sociais diferentes de todos os outros. Cada um de nós pode fazer a diferença.
Quantas vezes já deixaste de arriscar porque não to permitiram? Quantas vezes já sonhaste com algo diferente daquilo que te foi imposto ou ensinado e por isso desististe? Quantas vezes foste feliz por depender de algo ou alguém?
Muitas pessoas optam, conscientemente, pela dependência por acharem que a vida se torna mais fácil nesse estado de submissão. Na verdade não lhes é exigido que lutem por nada, por ninguém e, muito menos, por elas. Agora, pergunto eu, que interesse é que isto tem? Esta gente, apesar de respirar e dar ares da sua graça, já morreu e só anda aqui a fazer figura de corpo presente, pois as suas vidas já não são desafiantes. Ser dependente é ter medo de assumir o risco das suas paixões,
Não Será Tempo de Voltarmos aos Sentidos?
Não somos apenas o nosso corpo, estamos também integrados num corpus social, que solicita, expande e reprime a nossa sensibilidade. Basta ouvir aquele que foi o maior teórico da comunicação do século XX, Marshall McLuhan, para perceber até que ponto isso é aproveitado pela sociedade de comunicação global, para quem o indivíduo passa a ser uma presa. O que diz McLuhan sobre a televisão, por exemplo, é imensamente elucidativo: «Um dos efeitos da televisão é retirar a identidade pessoal. Só por ver televisão, as pessoas tornam-se num grupo coletivo de iguais. Perdem o interesse pela singularidade pessoal.» Se repararmos, os meios que lideram a comunicação humana contemporânea (da televisão ao telefone, do e-mail às redes sociais) interagem apenas com aqueles dos nossos sentidos que captam sinais à distância: fundamentalmente a visão e a audição. Origina-se assim uma descontrolada hipertrofia dos olhos e ouvidos, sobre os quais passa a recair toda a responsabilidade pela participação no real. «Viste aquilo?», «já ouviste a última do…»: os nossos quotidianos são continuamente bombardeados pela pressão do ver e do ouvir. O mesmo se passa com a locomoção: seja a pilotar um avião, a conduzir um automóvel, ou seja o peão a deslocar-se nas artérias das cidades modernas,
O Homem Que Confessa os Seus Pecados Nunca é o Mesmo Que os Cometeu
Monstro, robot, escravo, ser maldito – pouco importa o termo utilizado para transmitir a imagem da nossa condição desumanizada. Nunca a condição da humanidade no seu conjunto foi tão ignóbil como hoje. Estamos todos ligados uns aos outros por uma igniminiosa relação de senhor e servo; todos presos no mesmo círculo vicioso entre julgar e ser julgado; todos empenhados em destruir-nos mutuamente quando não conseguimos impor a nossa vontade. Em vez de sentirmos respeito, tolerância, bondade e consideração, para já não falar em amor, uns pelos outros, olhamo-nos com medo, suspeita, ódio, inveja, rivalidade e malevolência. O nosso mundo assenta na falsidade. Seja qual for a direcção em que nos aventuremos, a esfera de actividade humana em que nos embrenhemos, não encontramos senão enganos, fraudes, dissimulação e hipocrisia.
Conhecer do facto de que, por muito alto que estejam colocados, os homens não conseguem, não ousam, pensar livremente, independentemente, quase desespero de me fazer ouvir. E se falo ainda, se me arrisco a exprimir os meus pontos de vista sobre certas questões fundamentais, é porque estou convencido de que, por muito negro que seja o panorama, uma mudança drástica é, não só possível, mas até inevitável. Sinto que é meu direito e meu dever de ser humano promover essa mudança.
A Morte que Trazemos no Coração
É no coração que morremos. É aí que a morte habita.
Nem sempre nos damos conta que a carregamos connosco, mas, desde que somos vida, ela segue-nos de perto. Enquanto não somos tomados pela nossa, vamos assistindo e sentindo, em ritmo crescente ao longo da vida, às mortes de quem nos é querido. A morte de um amigo é como uma amputação: perdemos uma parte de nós; uma fonte de amor; alguém que dava sentido à nossa existência… porque despertava o amor em nós.
Mas não há sabedoria alguma, cultura ou religião, que não parta do princípio de que a realidade é composta por dois mundos: um, a que temos acesso direto e, outro, que não passa pelos sentidos, a ele se chega através do coração. Contudo, o visível e o invisível misturam-se de forma misteriosa, ao ponto de se confundirem e, como alguns chegam a compreender, não serem já dois mundos, mas um só.
Só as pessoas que amamos morrem. Só a sua morte é absoluta separação. Os estranhos, com vidas com as quais não nos cruzamos, não morrem, porque, para nós, de facto, não chegam sequer a ser.Só as pessoas que amamos não morrem.
Em Portugal, Ter Amor às Nossas Coisas Implica Dizer Mal Delas
Em Portugal, ter amor às nossas coisas implica dizer mal delas, já que a maior parte delas não anda bem. Nem uma coisa nem outra constitui novidade. Nem dizer mal delas, nem o facto de elas não andarem bem. Será que se diz mal na esperança de que elas se ponham boas? Também não. As nossas causas são quase sempre perdidas. Porquê então?
Porque o nosso maior bem, como António Vieira contradizia, é nunca estarmos satisfeitos. Nas nossas cabeças perversas e almas amarguradas, onde se acham todas as coisas portuguesas tal e qual achamos que deviam ser, Portugal é o país mais perfeito do mundo. Já isso é uma espécie de país, melhor do que os países reais onde as pessoas estão realmente convencidas que as coisas correm muito bem. Aprendemos a viver com esse país. E alguns conseguiram mesmo viver nele.
Desdenhar o que se tem e elogiar o que têm os outros, mas sem querer trocar, é a principal característica do aristocrático feitio do povo português. Às vezes penso que dizemos tanto mal de Portugal e dos portugueses para que não sejam os estrangeiros a fazê-lo. Monopolizamos a maledicência para nos defendermos; para evitar a concorrência.
Atenção aos Detalhes do Comportamento dos Outros
Devemos ter muito cuidado para não emitir uma opinião demasiado favorável de um homem que acabamos de conhecer; pelo contrário, na maioria das vezes, seremos desiludidos, para nossa própria vergonha ou até para nosso dano. A esse respeito, uma sentença de Séneca merece ser mencionada: Podem-se obter provas da natureza de um carácter também a partir de miudezas. Justamente nestas é que o homem, quando não se procura conter, é que revela o seu carácter. Nas acções mais insignificantes, em simples maneiras, pode-se amiúde observar o seu egoísmo ilimitado, sem a menor consideração para com os outros e que, em seguida, embora dissimulado, não se desmente nas grandes coisas.
Não se deve perder semelhante oportunidade. Quando alguém procede sem consideração nos pequenos acontecimentos e circunstâncias da vida diária, intentando obter vantagens ou comodidade, em prejuízo de outrem, nas coisas em que se aplica a máxima de a lei não se ocupa com ninharias, ou ainda apropriando-se do que existe para todos, etc., podemos convencer-nos de que no coração de tal indivíduo não reside justiça alguma; ele será um patife também nas grandes situações, caso as suas mãos não sejam atadas pela lei e pela autoridade. Não lhe permitamos, pois,
Memória Curta
A vida dos povos prova a necessidade de repetições que impressionem. Acumulações de ruínas e torrentes de sangue são, por vezes, necessárias para que a alma de uma raça assimile certas verdades experimentais.
Muitas vezes ela não se aproveita disso durante muito tempo porquanto, em virtude da diminuta duração da memória afectiva, as aquisições experimentais de uma geração servem pouco para outra.
Todas as nações verificam, desde as origens do mundo, que a anarquia termina pela ditadura. Mas dessa eterna lição elas não tiram qualquer proveito. Repetidos factos mostram que as precauções são o melhor meio de favorecer a extensão de uma crença religiosa, mas isso não impede que, sem tréguas, essas perseguições continuem. A experiência ensina ainda que ceder perpetuamente a ameaças populares é condenar-se a tornar impossível qualquer governo. Vemos, no entanto, que os políticos diariamente olvidam essa evidência.
Livros Antigos Portugueses
Quisemos mostrar, ou antes tornar conhecidos, os nossos livros. 0 nosso intuito é simples; tentando dar vida a esses livros, procuramos deixar ver a obra Portuguesa, especialmente nos séculos xv e xvi, através dos «liuros de forma» que foram impressos em Portugal, acompanhando-os de alguns «de penna», e de outros escritos em linguagem, mas publicados fora do país. Os livros são amigos silenciosos e fiéis junto dos quais se aprende a lição da vida. São o ensinamento, e em muitos casos a prova, da época que se deseja descrever; aqueles que são coevos desses tempos, podemos, certamente, considerá-los como a melhor documentação — exceptuando os manuscritos originais — para essas pesquisas. A meta do nosso esforço é erguer bem alto o nome do nosso país, demonstrar os feitos dos Portugueses e, servindo a nossa Pátria, «levantar a bandeira dos triunfos dela». É um trabalho sem pretensões, que nada vem dizer de novo, e que nada julga ensinar, mas que, esperamos, provará o nosso amor pela Pátria querida. E se alcançarmos esse fim ambicionado, teremos a consolação suprema de um dever cumprido.
. Manuel II, «Livros Antigos Portugueses 1489-1600»’
O seu Instinto Leva-o mais Longe que o seu Intelecto
«Homem, conhece-te a ti mesmo» – toda a sabedoria se encontra concentrada nesta frase. Auto-análise, depois acção – a escola da sabedoria. Quanto mais cedo descobrir os factos acerca da sua pessoa mais fácil será a jornada da vida. Para tirar o máximo de nós, temos de conhecer os recursos que possuímos e depois aperfeiçoá-los e utilizá-los. Pelo controlo das emoções uma pessoa consegue superar quase todas as dificuldades que habitualmente estragam a vida.
(…) Sem olhar à profundidade dos seus sentimentos, à vastidão dos seus conheciemntos, o homem aparentemente completo não o é sem que tenha aperfeiçoado as suas tendências. Quem quiser melhorar os condicionalismos externos tem de começar por melhorar os internos. Quando as coisas não estão a correr bem há qualquer coisa em mim a dizer-mo. Às vezes tenho de pensar muito para descobrir o erro e como corrigi-lo. Depois de resolver o problema sinto-me novamente bem. Isto prova que «O seu instinto leva-o mais longe que o seu intelecto».
Amizade Correcta
O sábio, ainda que se baste a si mesmo, deseja ter um amigo, quanto mais não fosse para exercer a amizade, para não deixar definhar tão grande virtude. Ele não busca, como dizia Epicuro, «alguém que lhe vele à cabeceira em caso de doença, que o socorra quando esteja em grilhões ou na indigência». Busca alguém a cuja cabeceira de doente possa velar; alguém que, quando implicado numa contenda, ele possa salvar dos cárceres inimigos. Pensar em si próprio, e empenhar-se numa amizade com esse pensamento preconcebido, é cometer um erro de cálculo. A empresa terminará como começou. Fulano arranjou um amigo para dispor, um dia, de um libertador que o preserve dos grilhões. Ao primeiro tinido de cadeias, lá se vai o amigo.
Tais são as amizades que o mundo chama de «ligações temporárias». O homem a quem se escolhe para prestar serviços deixará de agradar no dia em que não sirva para mais nada. Daí a constelação de amigos ao redor das grandes fortunas. Vinda a ruína, faz-se, à volta, a solidão: os amigos esquivam-se dos lugares onde são postos à prova. Daí, todos esses escândalos: amigos abandonados, amigos traídos, sempre por medo! É inevitável que o fim concorde com o começo: o interesse fez de sicrano teu amigo;
O Preço da Independência
Por outro foste preterido num banquete, num elogio, na audição de um conselho. Caso se trate de provas de consideração, que o teu coração se alegre por esse outro com tais provas ter sido distinguido. Se coisas más são, não te lamentes por não teres sido convidado para o banquete, não teres merecido o elogio, não terem recorrido ao teu conselho. Que não te esqueças nunca do seguinte: se nada fazes para obteres o que não depende de nós (ao contrário dos outros que assim procedem) de maneira nenhuma podes aspirar às mesmas vantagens.
Na verdade, como se pode reconhecer os mesmos direitos àquele que se atreve às coisas do mundo e àquele que as menospreza? Àquele que integra um séquito e àquele que o não integra? Àquele que elogia e louva e àquele que não louva nem elogia? Insaciável e injusto tu serás, se, não sendo pródigo no preço pelo qual tais coisas se vendem, essas mesmas coisas, que regalias são, pretendas receber graciosamente.Sabes tu por quanto se vendem as alfaces? Supõe que por um óbolo, a mais pequena das moedas gregas. Qualquer um, então, é pródigo com o seu óbolo e sem mais adquire as alfaces.
A Razão da Minha Esperança
Meu bom amigo,
Sei que tens sofrido bastante.
Não posso esquecer que um dia me ensinaste: que leal é quem não abandona; que devemos procurar ser pessoas dignas de confiança, mais do que tentar encontrar alguém assim; e, que a vontade de amar já é, em si mesma, amor.
Permite-me que partilhe contigo, hoje, algumas ideias a respeito dos momentos difíceis…
São muitas as provas que na vida servem para testar quem somos, a força que temos em nós e o nosso valor. Algumas vezes uma pedra gigante vem cair mesmo diante de nós… outras vezes são séries infindáveis de pequenos obstáculos no caminho… longas etapas que nos obrigam a seguir adiante sem descansar, em percursos onde quase nunca se vê o horizonte.
A agitação permanente em que vivemos leva muitos a desistir de encontrar referências mais adiante, mas é preciso que nos afastemos do tempo para assim encontrarmos a posição mais segura, elevando-nos acima dos momentos passageiros para os compreender melhor. No meio da confusão é preciso ver para além do que se pode olhar… estabelecer os alicerces sobre o que é sólido, ainda que seja preciso escavar muito mais fundo do que o normal…
A Não-Violência e a Cobardia não Têm nada a Ver uma com a outra
A não-violência e a cobardia não têm nada a ver uma com a outra. Acredito que um homem armado dos pés à cabeça seja um cobarde no seu coração. A posse de armas pressupõe um factor de medo, para não dizer de cobardia. Mas a verdadeira não-violência é impossível sem a posse de uma autêntica ausência de medo. (…) A não-violência nunca deveria ser utilizada como escudo da cobardia. É uma arma destinada aos valentes.
(…) A prova de fogo da não-violência está em não deixar para trás nenhum tipo de rancor durante um conflito não-violento e, no final, em fazer com que os inimigos se convertam em amigos.
Atravessámos e Vencemos Tudo
Olho para o passado com embriaguês, mas não é com menos deslumbramento que encaro o nosso futuro. Eis-nos, agora, um do outro para todo o sempre, sem ansiedades, sem inquietações, sem angústias. Atravessámos e vencemos tudo o que era mau e que poderia ser fatal. Estamos na plena posse dos nossos dois destinos fundidos num só. O nosso amor não terá a frescura dos primeiros tempos, mas é um amor posto à prova, um amor que conhece a sua força, e que mesmo para além do túmulo, espera ser infinito. O amor, quando nasce, só vê a vida, o amor que dura vê a eternidade.
O Empregado Modelo
Um excelente trabalhador pode ser um grande poltrão? Alvaro é a prova evidente que sim. Matas-te a trabalhar por pura burrice, por comodidade ou abulia, para não teres de procurar um emprego mais instrutivo, mais estimulante, com mais perspetivas de carreira e até melhor salário. Eram os chamados trabalhadores fiéis de antigamente, os empregados modelo; quando se reformavam, davam-lhes uma medalha de ouro alemão: cinquenta anos na mesma empresa, fita ao pescoço e medalha ao peito. Grande mérito, não haja dúvida. Um pobre tolo que passou cinco decénios de cu sentado na mesma cadeira e cotovelos apoiados na mesma mesa. Hoje em dia, pelo contrário, premeia-se a mobilidade. A fidelidade é entendida como apatia e falta de ambição; és encorajado a atraiçoar os teus sucessivos chefes, e espera-se que cada uma dessas traições te granjeie vantagens económicas e promoções.
Maus Tratos
Por várias vezes nos chegaram aos ouvidos as notícias de maus tratos. Resolvemo-nos, um dia, a tirar o caso a limpo e a fazer observar por médicos de confiança aqueles que se queixavam desses maus tratos. Devo dizer-lhe que se chegou à conclusão de que os presos mentiam, para tirar efeitos políticos, na maioria dos casos, mas quero dizer-lhe, também, realmente, que algumas vezes falavam verdade. É claro que eram tomadas sempre, em casos desses, imediatas providências, e foi essa a razão de se terem dado algumas alterações nos quadros da Polícia. Atribuir a responsabilidade, portanto, ao Governo desses maus tratos é prova de ignorância ou de má-fé.
(…) No entanto, chegou-se à conclusão de que os presos maltratados eram sempre, ou quase sempre, temíveis bombistas que se recusavam a confessar, apesar de todas as habilidades da Polícia, onde tinham escondidas as suas armas criminosas e mortais. Só depois de empregar esses meios violentos é que eles se decidiam a dizer a verdade. E eu pergunto a mim próprio, continuando a reprimir tais abusos, se a vida de algumas crianças e de algumas pessoas indefesas não vale bem, não justifica largamente, meia dúzia de safanões a tempo nessas criaturas sinistras…
Quanto Mais Objectos de Interesse um Homem Tem, Mais Ocasiões Tem Também de Ser Feliz
Toda a desilusão é para mim uma doença que certas circunstâncias podem tornar inevitável, é verdade, mas que, quando se produz, nem por isso deve deixar de ser tratada o mais rápidamente possível, em vez de ser olhada como uma forma superior de sabedoria. Um homem, suponhamos, gosta de morangos e um outro não gosta; em que é que o último é superior ao primeiro? Não há nenhuma prova impessoal e abstracta de que os morangos sejam bons ou maus. Para quem gosta são bons, para quem não gosta são maus. Mas o homem que gosta tem um prazer que o outro não conhece; sobre este ponto, a sua vida é mais agradável e está melhor adaptado ao mundo onde ambos têm de viver.
O que é verdadeiro neste exemplo trivial é igualmente verdade nas questões mais importantes. O homem que gosta de assistir a desafios de futebol é sob esse aspecto supeior ao homem que não gosta. O que aprecia a leitura é ainda mais superior do que aquele que não a aprecia, pois as oportunidade de ler são mais frequentes do que as de ver desafios de futebol. Quanto mais objectos de interesse um homem tem,