Se Te Pertenço
Se te pertenço, separo-me de mim.
Perco meu passo nos caminhos de terra
E de DionĂsio sigo a carne, a ebriedade.
Se te pertenço perco a luz e o nome
E a nitidez do olhar de todos os começos:
O que me parecia um desenho no eterno
Se te pertenço é um acorde ilusório no silêncio.E por isso, por perder o mundo
Separo-me de mim. Pelo Absurdo.
Passagens de Hilda Hilst
31 resultadosExtrema, toco-te o rosto. De ti me vem
Ă€ ponta dos meus dedos, o ouro da volĂşpia
E o encanto glabro das avencas
De te me vem. […]
Extrema, toco-te o rosto. De ti me vem
Se você é coerente consigo mesmo, o resto é suportável. Eu suporto.
Conta-se que havia na China uma mulher belĂssima que enlouquecia de amor todos os homens. Mas certa vez caiu nas profundezas de um lago e assustou os peixes.
Porque Há Desejo em Mim
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo Ă minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde nĂŁo havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
VocĂŞ nunca conhece realmente as pessoas. O ser humano Ă© mesmo o mais imprevisĂvel dos animais. Das criaturas.
Ver-te. Tocar-te
Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vĂvidoo mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resĂduos. Me vĂŞm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.
Há sonhos que devem permanecer nas gavetas, nos cofre, trancados atĂ© o nosso fim. E por isso passĂveis de serem sonhados a vida inteira.
A Vida Ă© LĂquida
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mĂłrula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de vĂbora.
Como-a no livro da lĂngua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha pĂşmblea, me casaco rosso
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, gĂłticas, altas de corpo e copos.
A vida Ă© crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tĂŁo generosa e mĂtica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida Ă© liquĂda.TambĂ©m sĂŁo cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos Ă mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraĂso. O sinistro das horas
Vai se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Lembra-te que há um Querer Doloroso
Lembra-te que há um querer doloroso
E de fastio a que chamam de amor.
E outro de tulipas e de espelhos
Licencioso, indigno, a que chamam desejo.
Há o caminhar um descaminho, um arrastar-se
Em direção aos ventos, aos açoites
E um único extraordinário turbilhão.
Porque me queres sempre nos espelhos
Naquele descaminhar, no pĂł dos impossĂveis
Se sĂł me quero viva nas tuas veias?