Passagens de Mia Couto

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A poeira não vem da terra mas dos anos. Temos medo do pó porque é uma prova de que o Tempo existe e nos vai tornar obsoletos, quase minerais.

A palavra de hoje é cada vez mais aquela que se despiu da dimensão poética e que não carrega nenhuma utopia sobre um mundo diferente.

É fácil sermos tolerantes com os que são diferentes. É um pouco mais difícil sermos solidários com os outros. Difícil é sermos outros, difícil é sermos os outros.

Nós chegamos à morte como um rio que desagua no mar: uma parte está a nascer e, simultaneamente, a outra já se assombra no sem-fim.

A guerra, disse o adivinho, é uma espécie de serpente que matamos sem pisar a cabeça. Um pequeno descuido e eis que ela ressurge no escondido do capinzal.

O melhor modo de criar um estilo próprio é receber influências, as mais diversas e variadas influências.

Quando regressava da pescaria, não tinha mais defesa para os olhos da mulher e dos filhos que se espetavam nele. Pareciam olhos de cachorro, custava admitir, mas a verdade é que a fome iguala os homens aos animais.

Destino

à ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos

vou perdendo morada
na súbita lentidão
de um destino
que me vai sendo escasso

conheço a minha morte
seu lugar esquivo
seu acontecer disperso

agora
que mais
me poderei vencer?

Essa habilidade em produzir diversidade, esse é o segredo da nossa vitalidade e das nossas artes de sobrevivência. Temos que saber manter essa capacidade – agora no plano cultural e civilizacional – para respondermos às novas ameaças que sobre todos nós pesam. As saídas que nos restam pedem-nos não o olhar do lince mas o olho composto da mosca.

A diferença entre a Guerra e a Paz é a seguinte: na Guerra, os pobres sâo os primeiros a serem mortos; na Paz, os pobres são os primeiros a morrer. Para nós, mulheres, há ainda uma outra diferença: na Guerra, passamos a ser violadas por quem não conhecemos.

Não são os grandes traumas que fabricam as maldades. São, sim as miúdas arrelias do quotidiano, esse silencioso pilão que vai esmoendo a esperança, grão a grão.