Poemas sobre Ar de Fernando Pessoa

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Poemas de ar de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Chove. HĂĄ SilĂȘncio

Chove. HĂĄ silĂȘncio, porque a mesma chuva
NĂŁo faz ruĂ­do senĂŁo com sossego.
Chove. O cĂ©u dorme. Quando a alma Ă© viĂșva
Do que nĂŁo sabe, o sentimento Ă© cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego…

TĂŁo calma Ă© a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que nĂŁo Ă© chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece…

Não paira vento, não hå céu que eu sinta.
Chove longĂ­nqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente…

JĂĄ nĂŁo me importo

JĂĄ nĂŁo me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento Ă© ali estar.

Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lĂĄ ou ainda irei

Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,

Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,

Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que Ă© sem ar
De olhar a valer.

E sĂł me nĂŁo cansa
O que a brisa me traz
De sĂșbita mudança
No que nada me faz.

É Brando o Dia, Brando o Vento

É brando o dia, brando o vento
É brando o sol e brando o cĂ©u.
Assim fosse meu pensamento!
Assim fosse eu, assim fosse eu!

Mas entre mim e as brandas glĂłrias
Deste céu limpo e este ar sem mim
IntervĂȘm sonhos e memĂłrias…
Ser eu assim ser eu assim!

Ah, o mundo Ă© quanto nĂłs trazemos.
Existe tudo porque existo.
HĂĄ porque vemos.
E tudo Ă© isto, tudo Ă© isto!

BĂłiam farrapos de sombra

BĂłiam farrapos de sombra
Em torno ao que nĂŁo sei ser.
É todo um cĂ©u que se escombra
Sem me o deixar entrever.

O mistério das alturas
Desfaz-se em ritmos sem forma
Nas desregradas negruras
Com que o ar se treva torna.

Mas em tudo isto, que faz
O universo um ser desfeito,
Guardei, como a minha paz,
A ‘sp’rança, que a dor me traz,
Apertada contra o peito.

As Horas pela Alameda

As horas pela alameda
Arrastam vestes de seda,

Vestes de seda sonhada
Pela alameda alongada

Sob o azular do luar…
E ouve-se no ar a expirar –

A expirar mas nunca expira –
Uma flauta que delira,

Que é mais a idéia de ouvi-la
Que ouvi-la quase tranquila

Pelo ar a ondear e a ir…
SilĂȘncio a tremeluzir…

Cansa Sentir Quando se Pensa

Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
HĂĄ uma solidĂŁo imensa
Que tem por corpo o frio do ar.

Neste momento insone e triste
Em que nĂŁo sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E Ă© uma noite a ter um fim
Um negro astral silĂȘncio surdo
E nĂŁo poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silĂȘncio mudo –
Ah, nada Ă© isto, nada Ă© assim!)

Em Horas inda Louras, Lindas

Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Belindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas,
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em torno Ă  tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde jĂĄ nĂŁo torna!
E o tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de torpor da tarda tarde.

E hĂĄ nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Nos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos….
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.

FĂșria nas Trevas o Vento

FĂșria nas trevas o vento
Num grande som de alongar,
NĂŁo hĂĄ no meu pensamento
SenĂŁo nĂŁo poder parar.

Parece que a alma tem
Treva onde sopre a crescer
Uma loucura que vem
De querer compreender.

Raiva nas trevas o vento
Sem se poder libertar.
Estou preso ao meu pensamento
Como o vento preso ao ar.

Ela Canta, Pobre Ceifeira

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anĂŽnima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E hĂĄ curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz hĂĄ o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razÔes pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razĂŁo!
O que em mim sente ‘stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciĂȘncia,
E a consciĂȘncia disso! Ó cĂ©u!
Ó campo! Ó canção! A ciĂȘncia

Pesa tanto e a vida Ă© tĂŁo breve!
Entrai por mim dentro!
Tornai Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

Elas SĂŁo Vaporosas

Elas sĂŁo vaporosas,
PĂĄlidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar…

VĂȘm, aĂ©reas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos…
Chora no som dos repuxos
O ritmo que hĂĄ nos seus vultos…

Passam e agitam a brisa…
PĂĄlida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em aurĂ©ola Ă  hora…

Passam nos ritmos da sombra…
Ora Ă© uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene…

E assim vĂŁo indo, delindo
Seu perfil Ășnico e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lĂ­vido e frio…

Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longĂ­nquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
PĂĄlido pĂĄlio lunar …